Antes dos calores e dos ventos


Até às eleições de 2019, o programa do PS será glorificar o atual modelo da governação e não deixar que as bombas-relógio rebentem nas mãos dos eleitores


Não obstante os ventos e as marés de feição, as sondagens mostram que o PS não consegue disparar para a maioria que lhe garanta a independência parlamentar. Tal como evidenciam que o efeito Rui Rio não conferiu ao PSD algo de substancialmente diverso nas intenções de voto e que os restantes partidos conservam as suas posições relativas. Campanha eleitoral é sempre campanha eleitoral e, nesse período de 2019, estará no juízo dos indecisos (potenciais abstencionistas) mudar o sentido – ou os sentidos – das tendências. Continuo a pensar que, a não ser que haja qualquer hecatombe, o fundamental dessas eleições será decidir se se dá ou não carta definitiva de alforria a um governo do PS. E, assim sendo, tudo junto significa que António Costa e os seus estrategas mais próximos continuam a não poder descurar os entendimentos à esquerda no próximo Orçamento do Estado e na discussão que se avolumará sobre a legislação do trabalho. Isto igualmente intensifica a angústia que se apodera dos governantes quanto mais se aproximam os picos de calor e as dinâmicas dos ventos, com a esperada pressão mediática, que relembra continuamente as tragédias dos fogos de 2017 e anuncia grandes coberturas para os fogos deste ano e a capacidade de combate do Estado, e a marcação à zona de Marcelo, pronto para sair à rua em qualquer dia do verão. A estes epicentros juntam-se três bombas-relógio: a insatisfação dos professores (sem esquecer os docentes do ensino superior universitário e politécnico, que andam há anos a fio a ser humilhados e a resistir…); a insustentável situação da justiça do Estado, com os tribunais administrativos e fiscais à cabeça; a dramática vida de muitos serviços e profissionais nos serviços públicos de saúde. E uma incerteza: os estilhaços dos processos (de “regime”) de José Sócrates e Ricardo Salgado.

Neste quadro, é óbvio que se intensifica a propaganda (sem nada de pejorativo nesta expressão) à volta dos cenários de progresso e de estabilidade conquistados com o modelo desta governação. O desafio é resistir à contestação social e sindical que o PCP vai dinamizar gradualmente e em crescendo, de acordo com o sensível equilíbrio que gere com o PS, assim como lidar com inteligência emocional com as provocações cirúrgicas do BE. Pelo meio, concertar o mais possível com o PSD e divergir sem grande drama do CDS. O programa é nunca dar a perceber que por trás desses cenários houve (ou pode ter havido) omissão, renúncia, mimetismo e lacuna. Com ou sem cativações. Um dos casos gritantes é o Ministério da Justiça: convém proteger um mandato em que se configurou mais uma oportunidade perdida num quadro de boas intenções e de pessoas válidas e conhecedoras, sob pena de se descobrirem realidades bem penosas e desconfortáveis, com milhares e milhares de vidas presas nos tribunais.

Neste enquadramento, o país conserva-se sem que haja clamor. A população das cidades grandes e médias está anestesiada e indiferente a novas propostas e novos caminhos, desgastada pelos efeitos da crise de 2011 e do resgate financeiro. A luta pelos interesses do interior esvanece-se mais uma vez com o tempo. As dependências do poder político central, das autarquias e das ramificações da administração pública crescem em rede e proliferam ciclicamente para alimento das elites oligárquicas e das corporações de interesses, em prejuízo dos méritos e das competências. Há bolhas económicas e financeiras a crescer, mais uma vez sem controlo. E uma geração à espera de saber para que lado se virar. Mas há otimismo e confiança. Talvez chegue para se chegar à meta e não descobrir o que está por baixo do tapete.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira