Questão dos refugiados ameaça coesão europeia e governo de Merkel

Questão dos refugiados ameaça coesão europeia e governo de Merkel


Presidente Macron pediu desculpas a Itália por acusações de cinismo e irresponsabilidade. Merkel em guerra com o seu ministro do Interior por causa da política de asilo


O encerramento dos portos pelo governo italiano e o drama do navio Aquarius, com 629 refugiados a bordo e as condições a degradarem-se, estalaram o já de si frágil verniz europeu sobre a imigração. Além da tensão diplomática entre França e Itália, a coligação governativa da chanceler alemã, Angela Merkel, também pode estar em risco pela dificuldade em se encontrar uma solução de compromisso em relação ao posicionamento alemão sobre o assunto. A defesa de uma eventual coligação entre Alemanha, Áustria e Itália para reformar o sistema europeu de asilo pelo ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, caiu que nem uma bomba na coligação. O objetivo dessa aliança é claro: limitar a entrada de requerentes e acelerar as deportações.

O clima de fratura europeia levou ontem o porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, a reafirmar a necessidade de uma abordagem genuinamente europeia, global e holística que abranja todas as dimensões do fenómeno da migração, em vez de ser abordado “apenas por Itália, Malta ou Espanha”. O dirigente relembrou ainda que esta questão será debatida pelos chefes de Estado e de governo na reunião europeia de 28 e 29 de junho, acrescentando que o presidente Jean-Claude Juncker assumirá esta posição, partilhada por Merkel, na reunião.

Tensões diplomáticas A troca de acusações entre o presidente gaulês, Emmanuel Macron, e o ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, bem como a ameaça de cancelamento de encontros, demonstrou que os Estados-membros da União Europeia estão em rota de colisão quanto à política migratória. Depois de Itália ter exigido um pedido formal de desculpas e de uma breve conversa por telefone com Giuseppe Conte, primeiro-ministro italiano, Macron explicou, através de comunicado, que nunca pretendeu ofender Roma ao acusá-la de “cinismo e irresponsabilidade” por se ter recusado a receber o Aquarius. 

A tensão entre Paris e Roma subiu de tom quando Salvini, ministro e líder da Liga, acusou, em sessão do Senado, o presidente francês de ter simulado solidariedade para com o Aquarius ao oferecer-lhe um porto na Córsega como possível destino, mas também com as ameaças de cancelamento de encontros, principalmente aquele entre Macron e Conte. Sem meias-palavras, Salvini acusou ainda o Estado francês de ter negado a entrada a cerca de dez mil migrantes e de se ter limitado a receber apenas 640 dos 9816 refugiados com que se comprometera a nível europeu. 

França não foi a única na mira de Salvini. O ministro atacou ainda a UE, afirmando que é o seu governo quem define a política face à migração e não Bruxelas, anunciando de seguida o desejo de receber 900 migrantes na Sicília. 

Se a tensão parece ter-se amenizado com o pedido informal de desculpas de Macron, uma nova crise ganha forma na Alemanha. 

Coligação em risco Apanhada desprevenida pelas declarações de Seehofer, Merkel tentou, na quarta-feira à noite, convencê-lo a esperar pela cimeira europeia no final do mês, mas sem sucesso. Ontem, uma sessão do Bundestag teve de ser interrompida por duas horas para que a CDU e o seu partido–irmão, a CSU, liderada por Seehofer, pudessem reunir-se de emergência, mas o SPD retirou-se das negociações acusando o líder bávaro de colocar os interesses do seu partido à frente da coesão europeia. A Baviera terá eleições estaduais em outubro e o líder bávaro receia que a política pró-refugiados do governo favoreça o Alternativa para a Alemanha, partido xenófobo e racista, ao capitalizar o descontentamento contra os refugiados. Não menos que 65% dos alemães rejeitam a política pró-imigração da chanceler, segundo o jornal “The Guardian”. 

Seehofer quer que os requerentes de asilo sejam obrigados a voltar para trás se tiverem entrado na UE por outro país e caso no passado já tenham pedido asilo e e este tenha sido recusado, enquanto Merkel afirma que isso seria ilegal e minaria os esforços europeus para uma estratégia coletiva. 

Para se manter na governação, Merkel precisa de conservar tanto a CSU como o SPD no governo, conciliando posições opostas na questão da imigração. 

Recorde-se que as negociações para a formação do atual executivo foram as mais longas de sempre, precisamente pelas divergências quanto à política a adotar para a imigração.