Ao que parece, Catarina Martins, por estes dias, decidiu brindar-nos com uma reflexão acerca da sua leitura sobre o que foi a expansão portuguesa e a posição dos portugueses perante a escravatura nesse específico conspecto.
Em comunicação às redes sociais, a sra. deputada, com aquele ar grave e profético que empresta às suas reflexões, sempre profundas e sempre doutrinadoras, decidiu publicar o seguinte tweet: “Virá o dia em que os discursos oficiais serão capazes de reconhecer a enorme violência da expansão portuguesa, a nossa história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos. Até podia ser num 10 de Junho. Mas ainda não foi hoje [domingo].”
Abençoadamente e muito contra aquilo de que esta gosta, já que a sua tendência para verdades únicas e branqueadoras ou para prolongados silêncios cúmplices é alinhada com a sua aversão à liberdade de expressão ou ao pluralismo de ideias quando não alinhadas com o seu pensamento único, vivemos, ainda e por enquanto, num país onde tanto a expressão como o disparate são livres.
Analisar a história da expansão portuguesa ou de outra qualquer fora do seu tempo e contexto, como, para esse efeito, fazê-lo relativamente a qualquer outro facto histórico, diz muito sobre a qualidade da reflexão e a inteligência do reflector, além de ser o tal disparate.
Catarina Martins, que nem sequer segue uma agenda própria neste específico reduto, entendeu comprar para cá uma luta importada dos Estados Unidos e que é, a muitíssimos títulos, errada, viciada e construída sob premissas falsas.
Da construção das pirâmides do Egipto à Babilónia de Nabucodonosor, daí aos impérios Grego e Romano, e até à actualidade em África e não só, a escravatura foi e é uma realidade transversal. Feliz e infelizmente, a escravatura não começou com o tráfico transatlântico de africanos para as Américas nem terá acabado com a abolição generalizada da mesma nesses países.
Os portugueses, e para esses efeitos inúmeras outras nações, à data, a começar pelas africanas, que vendiam os escravos aos negreiros, e as potências que os levavam para as produções no Novo Mundo, não eram os únicos a fazê-lo, e também não inventaram esta prática que será tão velha como a humanidade.
Ainda hoje, países como o Sudão voltaram a legalizar a escravatura, em 1990, e, curiosamente, na tão estimada Coreia do Norte, o trabalho escravo é legal desde 1948 nos campos de concentração.
É sabida a confluência ideológica do Bloco com esses polos de liberdade individual chamados Coreia do Norte, Cuba ou Venezuela que este primeiro tanto estima e aplaude.
Não é, pois, fácil perceber por que bulas e perante um horror actual e próximo, Catarina Martins entendeu acertar alegadas contas com a História.
Como é evidente, do legado português para a humanidade, a Catarina Martins interessou pouco o facto de ter sido um dos países pioneiros na abolição da escravatura, na sua agenda progressista onde os seus prosélitos seguidores já se haviam dado à imbecilidade de se manifestar contra uma estátua do Padre António Vieira. Não lembrou, ou porventura não o sabe, à sra. deputada que Portugal, enquanto ainda havia tráfego negreiro pelo mundo fora, já havia em 1791 abolido a escravatura de indianos e, em 1854, a de africanos, em contextos económicos em que estas opções não eram fáceis.
Goste ou não, esqueça ou não, branqueie ou não, os desmandos marxistas, leninistas e estalinistas com que Catarina Martins vive bem e cujos personagens aplaude, à luz do seu tempo e contexto, são muito piores.
Relembre-se, por exemplo, Holodomor e as grandes fomes que entre 1932 e 1933, num programa desastroso de reorganização da agricultura dos estados soviéticos, mataram cerca de 12 milhões de habitantes da Ucrânia; junte-se-lhe os gulags e os escravos dos campos de concentração, os khmers vermelhos e outras tantas violências inauditas do mesmo gosto; relembre-se o encobrimento cúmplice da mesma Catarina a estes regimes que nos quer impor, e a devoção cega que tem a tais princípios; e pergunte-se que legitimidade tem a cúmplice destas monstruosidades para pedir acertos morais com a História?
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990