20 de dezembro de 2015: num domingo ao final da noite, o Banco de Portugal anunciou a venda do Banif ao Santander Totta por 150 milhões de euros, no âmbito de uma medida de resolução. O Banco de Portugal justificou a decisão com o falhanço da venda voluntária e as regras europeias. O negócio incluiu a atividade do Banif e a maior parte dos seus ativos e passivos. Em agosto do ano anterior também tinha sido aplicada uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo. Ao mesmo tempo foi criada a sociedade-veículo Oitante, que recebeu os ativos que o Totta não comprou.
Cerca de três anos antes, em 2012, a instituição financeira recebera um auxílio estatal de 1,1 mil milhões (700 milhões em ações, que deu a maioria do capital ao Estado e 400 milhões por instrumentos híbridos, os CoCos) no governo de Passos Coelho. Na altura, o compromisso assumido era o de apresentar-se um plano de reestruturação que limitasse a distorção da concorrência. No entanto, a equipa de Jorge Tomé e Luís Amado nunca foi capaz, ao longo desses anos, de apresentar um plano que recebesse a aprovação da Comissão Europeia. O anterior executivo não encontrou comprador para a posição do Estado.
Já o governo de António Costa decidiu, numa semana, aplicar uma medida de resolução ao banco. A notícia da TVI, dias antes, a falar da falência do banco lançou o pânico junto dos depositantes, o que resultou numa corrida aos depósitos, na queda abrupta do valor das ações e, consequentemente, na perda do rácio de sustentabilidade do banco.
Sem efeito ficaram as seis manifestações de interesse. Foi considerado que as propostas de compra apresentadas implicariam um auxílio do Estado, apesar da venda. No âmbito desta operação, o Estado foi obrigado a mobilizar 2255 milhões de euros, dos quais 489 milhões pelo Fundo de Resolução e 1766 através de injeção direta do Estado. “As imposições das instituições europeias e a inviabilização da venda voluntária do Banif conduziram a que a alienação hoje decidida fosse tomada no contexto de uma medida de resolução”, justificou, na altura, a entidade liderada por Carlos Costa.
Nesse comunicado foram também sublinhadas “as consequências de uma provável declaração de ilegalidade do auxílio de Estado ao Banif pela Comissão Europeia, que criaria uma gravíssima insuficiência de capital”, bem como “a posição das instâncias europeias no sentido de que a alienação do Banif, com auxílio de Estado, é apenas viável num cenário de resolução”. Ou seja, o Banco de Portugal entendeu que “face às circunstâncias e restrições impostas, a venda da atividade do Banif é a solução que salvaguarda a estabilidade do sistema financeiro nacional e que protege as poupanças das famílias e das empresas, bem como o financiamento à economia”.
A resolução visou ainda salvaguardar os clientes do banco perante o agravamento da situação de liquidez do Banif na sequência das notícias sobre o seu fecho iminente. O comunicado cita “o impacto da frustração das expetativas do processo de venda voluntária na situação de liquidez do Banif – que sofreu uma degradação muito acelerada nos últimos dias – e os consequentes riscos para a manutenção do seu fluxo normal de pagamentos e satisfação das suas responsabilidades para com os clientes”.
Foi neste enquadramento que ocorreu a venda do banco ao Santander Totta, com a instituição financeira a assumir a generalidade da atividade do Banif, recebendo os clientes e balcões, com “exceção dos ativos problemáticos, que [seriam] transferidos para um fundo”.
Lesados E tal como aconteceu com o BES, também esta instituição financeira deixou um grupo de lesados: cerca de 3500 famílias portugueses, a maioria da Madeira e dos Açores. Foi criada a associação Alboa para defender os seus direitos mas, mais de dois anos depois, o impasse mantém-se. Os lesados do Banif têm–se queixado, nomeadamente, das vendas de obrigações pelo banco, já quando este era maioritariamente detido pelo Estado, considerando a Alboa que houve “vendas extremamente agressivas e ardilosas por parte dos comerciais bancários” e que há “documentos internos a provarem estas práticas”.
No final do mês passado, o primeiro- -ministro chegou a admitir que, se a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluir que houve práticas incorretas no Banif, os lesados serão tratados como os do BES.
“Se houver apreciação no mesmo sentido relativamente aos lesados do BES, trataremos as pessoas com o mesmo princípio de igualdade, que deve ser respeitado”, declarou António Costa.
Ainda assim, o primeiro-ministro chamou a atenção para o facto de a situação dos lesados do Banif ser distinta dos lesados do BES porque, relativamente a este último grupo, houve por parte das entidades competentes (Banco de Portugal e CMVM) “o reconhecimento de que tinha havido práticas erradas de mercado fraudulentas e misselling [venda abusiva]”, o que ainda não aconteceu em relação ao Banif, afirmou. O governante complementou que, “em segundo lugar, a CMVM não fez uma declaração generalizada de misselling”, assegurando que o governo tem estado a “trabalhar em conjunto com a associação de lesados, a Alboa, e a CMVM”.
Recorde-se que o relatório final da comissão de inquérito ao Banif foi apresentado no passado dia 18 de abril na Assembleia Legislativa da Madeira, após ter sido aprovado na comissão em 21 de março deste ano pelos deputados do PSD e do CDS-PP, com os votos contra do Bloco de Esquerda, JPP e PS. A votação aconteceu após quase dois anos de audições em que foram ouvidas diversas entidades e se assinalou que a região autónoma é “completamente alheia” ao processo de recapitalização e ruína do banco e à sua posterior venda ao Santander, em 2015.
A Comissão Eventual de Inquérito ao Banif da Assembleia Legislativa da Madeira foi constituída em fevereiro de 2016 por iniciativa do PS, na sequência do colapso do banco, sendo o seu objetivo analisar a gestão do banco e apurar o grau de exposição à dívida da Região Autónoma da Madeira.
Os trabalhos foram concluídos em novembro de 2017 e os representantes do Santander e do Banco de Portugal (BdP), responsável pela resolução que culminou na venda, recusaram sempre comparecer perante os deputados madeirenses.