O nome de Portugal continua a ser referido nos meandros do Daesh e, com Lisboa e o Porto a receberem grandes eventos, as polícias vão estar em estado de alerta no próximo mês e meio. Ao que o SOL apurou, os serviços secretos atribuíram o terceiro nível de ameaça – numa escala de cinco e que significa risco «significativo» – às comemorações do jubileu do príncipe Aga Khan, que decorrem no Parque das Nações de 5 a 11 de julho, e ao festival Rock in Rio, que se realiza no Parque da Bela Vista no final deste mês.
Estes eventos acontecem em Portugal numa altura em que o turismo continua a crescer e em que as polícias têm sido chamadas a investigar supostas ameaças terroristas. Anteontem, a PSP identificou três muçulmanos em Ponta Delgada, nos Açores – cidade que este ano recebe as celebrações do 10 de junho. Fontes policiais contaram ao SOL que os três estrangeiros «ultrapassaram um perímetro de segurança que as autoridades tinham montado» e foram detetados a «tirar fotografias». O comportamento foi considerado suspeito e os três homens acabaram identificados e interrogados. «Pediu-se a colaboração da Europol e da Interpol, mas os contactos revelaram que nada pendia sobre eles», conta uma das fontes. Tratou-se, assim, de um falso alarme e os três turistas – que tinham saído de Lisboa para visitar os Açores – regressaram à capital (onde ainda estão, alojados num hotel) na madrugada de ontem.
Antes, no fim de semana passado, as polícias já tinham estado em alerta: como o jornal i adiantou, foi recebida a indicação de que uma célula marroquina do Daesh poderia levar a cabo um atentado na Fundação de Serralves, no Porto – onde estiveram milhares de pessoas, incluindo o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
A suspeita da preparação de um atentado teve por base um bilhete anónimo, escrito em francês. A carta, apurou o SOL, foi entregue por um grupo de supostos fundamentalistas a um transeunte, na rua, com a indicação de que o deveria fazer chegar à Polícia. A ameaça levou à mobilização das forças e dos serviços de segurança – as Brigadas de Minas e Armadilhas ‘varreram o recinto todo’ – mas nos últimos dias ter-se-á chegado à conclusão de que não era «credível».
50 mil pessoas em Lisboa
É neste contexto que Portugal recebe, dentro de menos de um mês, as comemorações do jubileu de diamante do líder espiritual da comunidade ismaelita, o príncipe Aga Khan. O SIS atribuiu ao evento o grau 3 – ameaça significativa – e são esperadas cerca de 50 mil pessoas no Parque das Nações, em Lisboa, de 5 a 11 de julho, entre membros da comunidade e convidados internacionais vindos dos cinco continentes.
A operação de segurança vai estar a cargo da PSP, que terá no terreno praticamente todas as suas valências – entre equipas de intervenção rápida, informações, trânsito, snipers, Corpo de Segurança Pessoal, minas e armadilhas e a cinotecnia. A dimensão do evento será de tal ordem que o Parque das Nações vai estar parcialmente interdito. E o perímetro montado pelas polícias será maior do que o que vigorou no Festival Eurovisão da Canção, englobando agora a FIL e a Praça Sony.
O SOL sabe que o dispositivo ainda está a ser desenhado – por enquanto as polícias estão concentradas na recolha de informações. Tem havido reuniões quinzenais entre a PSP e elementos da segurança do príncipe e, segundo fontes policiais, a operação vai estar «centrada, essencialmente, na proteção» do líder da comunidade ismaelita. A partir da próxima semana, os encontros passarão a ser mais frequentes.
Um dia depois de arrancar o jubileu, as atenções das forças de segurança terão de se virar para o Porto, que recebe a visita do ex-Presidente americano Obama, que vem a Portugal para uma conferência sobre o clima. E nas semanas seguintes não haverá descanso, com a realização do festivais Nos Alive, no Passeio Marítimo de Algés (de 12 a 14 de julho) e o Super Bock Super Rock, no Parque das Nações (de 19 a 21 de julho). Antes, e já no final deste mês, também será a PSP a garantir a segurança do Rock in Rio, que começa a 23 de junho e que também recebeu, do SIS, avaliação de risco significativo.
Portugal ainda é seguro
Com o turismo, os grandes eventos, as conquistas no futebol e personalidades portuguesas na ribalta mundial, Portugal está na moda. E os especialistas em Segurança ouvidos pelo SOL recordam que o maior mediatismo do país tem servido para captar a atenção de grupos como o Daesh.
Logo a seguir ao atentado contra o Charlie Hebdo, em França, em janeiro de 2015, Portugal foi amplamente falado pelo Estado Islâmico. O interesse parece ter esmorecido, mas Lisboa continua a ser referida várias vezes pelos jihadistas. Ainda assim, boa parte dos especialistas continua a ver a possibilidade de um atentado terrorista em solo nacional com algum ceticismo. «Desde logo, porque em Portugal não há questões políticas e sociais delicadas como acontece, por exemplo, em França ou na Bélgica», explica fonte ligada ao Contraterrorismo. Outra fontes acrescenta que o Daesh «tem consciência de que atentar contra a segurança de Portugal seria beneficiar outros países da Europa, seus inimigos, que ganhariam com a deslocação do turismo nacional».
Mesmo assim, a segurança tem estado reforçada. A seguir ao Charlie Hebdo, apostou-se no patrulhamento ostensivo: agentes da Unidade Especial da Polícia estão espalhados – e visíveis – em locais estratégicos de Lisboa e do Porto, com metralhadoras HKMP5. E se em 2015 os sítios eram escolhidos obedecendo a um mapa predefinido que se repetia de dez em dez dias, atualmente os polícias vão para mais zonas e escolhidas aleatoriamente.
Os agentes estão cansados
A sucessão de grandes eventos tem sido positiva para a imagem do país, mas para a vida dos polícias o impacto começa a ser negativo. É que sempre que há operações de segurança a grandes eventos, as folgas e as férias dos agentes são cortadas. Nos 42 dias que durou o policiamento da Eurovisão da Canção, por exemplo, ninguém pôde folgar no Comando Metropolitano da PSP de Lisboa. «Antes eram situações pontuais, mas os grandes eventos tornaram-se rotineiros», diz Paulo Rodrigues, que preside à maior associação sindical da PSP, a ASPP. «O descanso é um direito e uma necessidade e os polícias começam a ficar sem paciência», acrescenta o sindicalista, que diz já ter exposto o assunto à direção nacional, sem que nada tenha mudado. «A resposta que nos tem sido dada é a de que há falta de efetivo e que é imprescindível garantir a segurança destes eventos», lamenta Paulo Rodrigues.