Houve um tempo em que lhe chamavam a Fúria e era um pesadelo para Portugal. Depois, o estilo da seleção espanhola mudou e a Fúria passou a deixar de fazer sentido. Sobretudo quando o tiki-taka se entornou do Barcelona para a equipa nacional. Não deixou, por isso, de ser um daqueles adversários impossíveis. Para terem em conta, repare-se que em oito jogos oficiais, apenas por uma vez Portugal levou a melhor sobre a Espanha. Precisamente na fase final do Euro 2004, em Alvalade. Um jogo de nervos no qual só a vitória garantia o apuramento para os quartos-de-final. Golo de Nuno Gomes aos 57 minutos e uma reação espanhola tremenda levada a cabo por Raúl, Fernando Torres e Morientes, um trio ofensivo da maior qualidade.
No banco de Portugal sentou-se o selecionador Luiz Felipe Scolari. Pedimos-lhe para desfiar o terço da memória e falar sobre esse jogo, que ainda é único.
Que importância teve para si o Portugal-Espanha de 2004?
Precisávamos daquela vitória para seguir sonhando com a classificação e chegar aos quartos-de-final. Este era o pensamento do nosso grupo e quando terminou o jogo pude ver o brilho nos olhos dos nossos atletas. Trabalhámos muito para aquele Euro e não podíamos desperdiçar aquela oportunidade. Foi um jogo diferente. Porque a nossa meta inicial era a de passar a fase de grupos e porque, infelizmente, tínhamos perdido com a Grécia no jogo inaugural, no Porto. Sabíamos que era o tudo ou nada: o mata-mata. Depois do primeiro jogo, todos os nossos encontros foram de mata–mata. Até ao fim.
Estava com medo?
Claro que estava com medo! Medo do jogo, da seleção adversária, de determinados jogadores espanhóis que tinham muita qualidade. Mas tinha uma confiança enorme no nosso grupo e na vontade de vencer aquele jogo. Todos os jogadores estavam confiantes. Foram eles os primeiros a passar-me essa confiança. E isso foi muito importante.
Quais as recordações que tem do jogo?
Recordo principalmente os minutos finais. Cada ataque da equipa adversária e aquela espera pelo apito final. Recordo a vibração dos nossos jogadores dentro do campo e de todos que estavam comigo ali, no banco de suplentes. Os olhares, os pensamentos e, enfim, a alegria. Havia uma união linda entre todos nós. Uma amizade enorme. Um público extraordinário que nunca parou de nos apoiar. Foi um momento muito bonito quando, finalmente, pudemos festejar.
Que disse aos jogadores antes de começar o jogo?
Posso dizer que nos dias antes falámos todos muito sobre o quanto eram importantes a atenção, a vontade, a dedicação e, principalmente, a doação de cada um para se obter aquela vitória. E, antes do jogo, o espírito deles estava absolutamente focado. Era um grupo muito forte, o nosso, jogadores muito concentrados.
E no final?
No final, não economizei palavras de elogio e agradecimento pelo empenho e pela vibração demonstrada. Eles mereceram muito aquela vitória. E mereceram a grande ovação do público. Foi extraordinário!
O ambiente de Alvalade foi especial, não foi?
Muito! Antes, durante e depois do jogo. Foi maravilhoso e nunca vou esquecer. Tal como aconteceu na meia-final contra a Holanda, uma união enorme entre os adeptos e a equipa.
Sentiu a importância para os portugueses de ganhar à Espanha?
Claro que senti. Mais: eu sentia-me um português por inteiro. Ainda hoje me sinto muito, muito português. Tenho em Lisboa o meu filho e os meus dois netos, que são portugueses. Portugal ficou no meu coração para sempre. E, agora, também no sangue. Nunca esquecerei aquilo que vivi durante esse Europeu. É impossível!
Não falta muito para novo Portugal-Espanha. Esse adversário que, oficialmente, só derrotámos uma vez. Têm a palavra os campeões da Europa. É com eles…