Todos os dias converso com alguém sobre cancro: sejam doentes oncológicos, cuidadores, amigos dos amigos que estão aflitos porque souberam que o seu amigo adoeceu. Também oiço constantemente histórias de conhecidos e amigos meus que estão doentes e este fim de semana dei por mim a colocar as mãos nos ouvidos e a pedir que não me contassem mais nada. É muito. É demais. “Calem-se com o cancro!”, pedi. Mas mesmo que bufe, que reclame, não posso deixar de falar dele exatamente porque estamos a viver aquela fase em que parece que o idiota está em todo o lado. O cancro é como o filme do “Sozinho em Casa” – toda a gente o conhece, está no mundo inteiro e já não o podes ver à frente.
Se estou farta do cancro até ao fundo da medula (esta foi boa, não foi?) mas ele existe e anda por aí, só tenho de mudar o paradigma: não falemos de cancro, falemos de saúde. Estão ligados, mesmo que tenham significados opostos, e um é muito mais agradável que o outro. Falemos de saúde, de bem-estar, de positividade, de energia, de coisas boas que queremos manter. Hoje acordei a dizer a mim mesma (não estou em negação nem tenho medo de dizer a palavra cancro, só preciso de aliviar a carga) que falo sobre saúde. E sempre que digo a palavra saúde parece que respiro, parece que acalmo, e até os poros ficam mais limpos e a minha pele brilhante.
A saúde no cancro existe?, pergunto-me. Achas que podes ser saudável mesmo estando doente?
Acho que sim. Acho que não tens de deixar de ser saudável porque tens cancro: podes continuar a ter uma alimentação saudável, a fazer caminhadas, a manter a mente sã e limpa, a alongar de manhã, a meditar à noite. Lembro-me que, quando uma pessoa muito próxima de mim adoeceu, a primeira coisa que a esposa me disse foi: “O que vale é que ele é muito saudável.” E valeu, sim. O coração aguentou toda aquela pressão, o corpo reagiu à medicação, a força emocional fê-lo levantar-se da cama. É importante que continues a considerar-te de boa saúde, que vejas o cancro como um percalço, uma unha encravada que tem de sair, e que combines com os teus amigos a participação nas maratonas, mesmo que ainda estejas no hospital.
A saúde no cancro existe?, pergunto-me. Achas que podes ser saudável mesmo estando doente?
Acho que sim. Acho que temos de parar de dizer que estamos frágeis e doentes justificando a nossa fase, porque essa fragilidade blinda-nos, prende-nos numa dependência sem fim. Quando te sentires em baixo, acorda a dizer “que bem que me sinto!” até que essas palavras inicialmente tolas comecem a fazer sentido. “Estou a sentir-me melhor, estou a sentir-me melhor… tu queres ver que estou mesmo a sentir-me melhor?!”
És saudável, mas foste diagnosticado com cancro. É incrível, não é? Não te sentes melhor, com mais força, com mais vontade, porque compreendes que és um gajo com pernas fortes, pulmões de ferro, caráter determinante que, ups, olha, por acaso tem cancro, mas já está a resolver isso?
A saúde no cancro existe?, pergunto-me. Achas que podes ser saudável mesmo estando doente?
Claro que sim. A saúde é tão mais que umas análises perfeitas, sem ponta de colesterol. A saúde és tu.
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