O futuro papel do papel


Como material de engenharia, o papel apresenta algumas propriedades que o tornam único e adequado não só como suporte de informação escrita, mas também como suporte de embalagens


Desde os primórdios da civilização que a humanidade buscou formas de armazenar informação. O primeiro material usado como suporte da informação exterior à memória humana foi, muito provavelmente, a pedra, utilizada desde o período paleolítico. Mas a invenção pelo homem de estruturas complexas de escrita tornaram premente a necessidade de substituição da pedra por um material de suporte mais leve, fácil de gravar e de transportar. Assim, à pedra seguiram–se a argila em placas, a madeira revestida a cera e o papiro. Na Europa, mais tarde, na cidade de Pérgamo, surgiu o pergaminho, que viria a ser, durante muitos séculos, o mais importante suporte para a informação escrita.

Terão sido, contudo, os chineses, há cerca de 2000 anos, antes talvez do pergaminho, a produzir o melhor material para suporte de informação de acesso direto pelo homem até hoje inventado: o papel. Um material tão extraordinário que, hoje em dia, ainda continuamos a utilizá-lo. Mas esta invenção demorou vários séculos a chegar à Europa. Primeiro demorou a chegar e, depois, quando chegou, a substituição do pergaminho pelo papel foi difícil (como ainda hoje acontece, e provavelmente continuará a acontecer, com qualquer alteração de paradigma tecnológico). Mas o certo é que o papel acabaria por se impor a partir do séc. xiv, permitindo a substituição do rolo de pergaminho pelo muito mais prático códice e, depois, com a contribuição tecnológica de Gutenberg, no séc. xv, pelo livro. 

Portugal foi, desde o início, um dos países pioneiros na produção de papel na Europa. Logo no início do séc. xv surgiram centros de produção de papel em Leiria e Braga. Posteriormente, o desen-volvimento da tecnologia do papel levou ao uso generalizado de matéria vegetal, proveniente sobretudo de pinheiro e de eucalipto, para a produção de pasta de papel. Atualmente, Portugal tem uma posição destacada como produtor de pasta para papel: é o 15.o produtor mundial e o valor desta indústria ultrapassa 2,5 mil milhões de euros de vendas anuais (mais de 1,5% do PIB), gerando vários milhares de empregos, diretos e indiretos.

Como material de engenharia, o papel apresenta algumas propriedades que o tornam único e adequado não só como suporte de informação escrita, mas também como suporte de embalagens e recipientes ou mesmo como material estrutural: é leve, permeável e resistente e, sobretudo, é extraordinariamente flexível, resistente à fadiga e resiliente: conseguimos dobrar o papel 180 graus várias vezes sem que se rasgue e pode cair facilmente do alto de um prédio de 50 andares sem que se parta ou sequer se deforme. Apenas alguns polímeros (plásticos) apresentam propriedades relativamente semelhantes, mas com um impacto ambiental muitíssimo maior que o do papel: o papel é cem por cento reciclável.

É expetável que, nas próximas décadas, o consumo de papel como suporte de informação possa vir a diminuir, sendo substituído por suportes eletrónicos – a chamada desmaterialização. Contudo, é preciso dizer que a utilização massiva dos atuais componentes eletrónicos produz também toneladas de lixo, difícil de ser reciclado devido às muitas substâncias tóxicas que contém, nomeadamente mercúrio e chumbo, e ao conteúdo de plásticos, em particular do PVC. Ou seja, comprar um portátil para evitar a impressão de documentos em papel não é, para já, de todo evidente que seja uma opção ecologicamente racional. O que é evidente é que se justificam todos os esforços de investigação e desenvolvimento que visem mitigar ou resolver os problemas decorrentes da utilização massiva do papel e, simultaneamente, criar novas soluções tecnológicas para a crescente necessidade de suporte para volumes de informação cada vez maiores que sejam ambientalmente sustentáveis.

Tal como aconteceu no séc. xv, no séc. xxi, Portugal continua a estar na linha da frente naquilo que respeita à tecnologia do papel graças aos trabalhos pioneiros do grupo de Elvira Fortunato e Rodrigo Martins no Centro de Investigação de Materiais da Universidade Nova de Lisboa, onde surgiu a ideia de fabricar componentes microeletrónicos (transístores, memórias, baterias, CMOS e portas lógicas) utilizando não o comum silício, mas antes o papel como suporte. Esta ideia, cujas provas de conceito se encontram publicadas em diversas revistas científicas internacionais, não só tem colocado Portugal na linha da frente dos desenvolvimentos tecnológicos nesta área, trazendo para o nosso país vários milhões de euros de investimento em investigação e desenvolvimento e alavancando internacionalmente o prestígio da investigação cientifica portuguesa, como é o exemplo do impacto social que a atividade de investigação e desen-volvimento pode e deve vir a ter – naturalmente, se existirem condições para que ela se consolide.

Da próxima vez que abrir o seu jornal lembre-se que o papel de jornal interativo, em que as notícias são atualizadas permanentemente enquanto folheia o jornal, tal como acontecia nos filmes de Harry Potter, muito provavelmente será uma realidade a que assistirá nos próximos anos. Graças às propriedades deste extraordinário material que é o papel e ao trabalho e perseverança de investigadores portugueses a trabalhar em universidades e centros de investigação nacionais.


O futuro papel do papel


Como material de engenharia, o papel apresenta algumas propriedades que o tornam único e adequado não só como suporte de informação escrita, mas também como suporte de embalagens


Desde os primórdios da civilização que a humanidade buscou formas de armazenar informação. O primeiro material usado como suporte da informação exterior à memória humana foi, muito provavelmente, a pedra, utilizada desde o período paleolítico. Mas a invenção pelo homem de estruturas complexas de escrita tornaram premente a necessidade de substituição da pedra por um material de suporte mais leve, fácil de gravar e de transportar. Assim, à pedra seguiram–se a argila em placas, a madeira revestida a cera e o papiro. Na Europa, mais tarde, na cidade de Pérgamo, surgiu o pergaminho, que viria a ser, durante muitos séculos, o mais importante suporte para a informação escrita.

Terão sido, contudo, os chineses, há cerca de 2000 anos, antes talvez do pergaminho, a produzir o melhor material para suporte de informação de acesso direto pelo homem até hoje inventado: o papel. Um material tão extraordinário que, hoje em dia, ainda continuamos a utilizá-lo. Mas esta invenção demorou vários séculos a chegar à Europa. Primeiro demorou a chegar e, depois, quando chegou, a substituição do pergaminho pelo papel foi difícil (como ainda hoje acontece, e provavelmente continuará a acontecer, com qualquer alteração de paradigma tecnológico). Mas o certo é que o papel acabaria por se impor a partir do séc. xiv, permitindo a substituição do rolo de pergaminho pelo muito mais prático códice e, depois, com a contribuição tecnológica de Gutenberg, no séc. xv, pelo livro. 

Portugal foi, desde o início, um dos países pioneiros na produção de papel na Europa. Logo no início do séc. xv surgiram centros de produção de papel em Leiria e Braga. Posteriormente, o desen-volvimento da tecnologia do papel levou ao uso generalizado de matéria vegetal, proveniente sobretudo de pinheiro e de eucalipto, para a produção de pasta de papel. Atualmente, Portugal tem uma posição destacada como produtor de pasta para papel: é o 15.o produtor mundial e o valor desta indústria ultrapassa 2,5 mil milhões de euros de vendas anuais (mais de 1,5% do PIB), gerando vários milhares de empregos, diretos e indiretos.

Como material de engenharia, o papel apresenta algumas propriedades que o tornam único e adequado não só como suporte de informação escrita, mas também como suporte de embalagens e recipientes ou mesmo como material estrutural: é leve, permeável e resistente e, sobretudo, é extraordinariamente flexível, resistente à fadiga e resiliente: conseguimos dobrar o papel 180 graus várias vezes sem que se rasgue e pode cair facilmente do alto de um prédio de 50 andares sem que se parta ou sequer se deforme. Apenas alguns polímeros (plásticos) apresentam propriedades relativamente semelhantes, mas com um impacto ambiental muitíssimo maior que o do papel: o papel é cem por cento reciclável.

É expetável que, nas próximas décadas, o consumo de papel como suporte de informação possa vir a diminuir, sendo substituído por suportes eletrónicos – a chamada desmaterialização. Contudo, é preciso dizer que a utilização massiva dos atuais componentes eletrónicos produz também toneladas de lixo, difícil de ser reciclado devido às muitas substâncias tóxicas que contém, nomeadamente mercúrio e chumbo, e ao conteúdo de plásticos, em particular do PVC. Ou seja, comprar um portátil para evitar a impressão de documentos em papel não é, para já, de todo evidente que seja uma opção ecologicamente racional. O que é evidente é que se justificam todos os esforços de investigação e desenvolvimento que visem mitigar ou resolver os problemas decorrentes da utilização massiva do papel e, simultaneamente, criar novas soluções tecnológicas para a crescente necessidade de suporte para volumes de informação cada vez maiores que sejam ambientalmente sustentáveis.

Tal como aconteceu no séc. xv, no séc. xxi, Portugal continua a estar na linha da frente naquilo que respeita à tecnologia do papel graças aos trabalhos pioneiros do grupo de Elvira Fortunato e Rodrigo Martins no Centro de Investigação de Materiais da Universidade Nova de Lisboa, onde surgiu a ideia de fabricar componentes microeletrónicos (transístores, memórias, baterias, CMOS e portas lógicas) utilizando não o comum silício, mas antes o papel como suporte. Esta ideia, cujas provas de conceito se encontram publicadas em diversas revistas científicas internacionais, não só tem colocado Portugal na linha da frente dos desenvolvimentos tecnológicos nesta área, trazendo para o nosso país vários milhões de euros de investimento em investigação e desenvolvimento e alavancando internacionalmente o prestígio da investigação cientifica portuguesa, como é o exemplo do impacto social que a atividade de investigação e desen-volvimento pode e deve vir a ter – naturalmente, se existirem condições para que ela se consolide.

Da próxima vez que abrir o seu jornal lembre-se que o papel de jornal interativo, em que as notícias são atualizadas permanentemente enquanto folheia o jornal, tal como acontecia nos filmes de Harry Potter, muito provavelmente será uma realidade a que assistirá nos próximos anos. Graças às propriedades deste extraordinário material que é o papel e ao trabalho e perseverança de investigadores portugueses a trabalhar em universidades e centros de investigação nacionais.