Sobre as oposições a este Governo


Três entrevistas recentes concedidas por três orgulhosos pontas-de-lança da “ala direita” do PS revelam uma vontade decomedida de condenar todas as esquerdas e de recuperar a ideia de bloco central


Num excelente editorial no semanário francês “Marianne”, de cuja redacção é o director, o jornalista Renaud Dély põe uma questão pertinente sobre o que ele considera ser “A maldição da oposição”: “Será que um político está condenado a tornar-se estúpido quando passa a ser da oposição?” De facto, constata-se com bastante frequência, e não apenas em França, que há dirigentes políticos com acentuada predisposição para se entregarem ao disparate. Digamos que o afastamento do poder parece provocar, na maioria dos políticos, uma tendência forte para a evaporação dos neurónios, facilmente reconhecível pela vacuidade do discurso político e pelo recurso constante à demagogia.

Mais inquietante ainda é a naturalidade com que tais políticos da oposição – ao prescindirem das suas ideias próprias (se é que as têm) e dos seus programas políticos (se é que eles existem) – se deixam dominar e ser conduzidos por uma comunicação social com tendências cada vez mais “tabloides”, quase toda ela dominada pela plutocracia, cujo objectivo sempre foi condicionar o exercício do poder político de acordo com os seus interesses privados.

O que se passa neste momento na vida política portuguesa – sobretudo desde que o PS rompeu com o tabu da interdição das alianças ou meros acordos com os partidos à sua esquerda, para viabilizar o Governo – assenta como uma luva no ambiente de estupidez natural e de jornalismo político tablóide a que a maioria dos políticos da direita sucumbiu, com uma paixão inusitada pela asneira e pelo escândalo político quotidiano “desarrincado” por uma comunicação social que nutre inconfessável ódio por tudo quanto lhe cheire a esquerda.

Mas o que também é certo é que a eleição para Presidente da República de um jornalista e comentador político de direita, com várias décadas de perversidade acumulada nos jornais, rádios e televisões, acabou por constituir como que a cereja que sempre se deseja colocar em cima do bolo. Com esta consequência fundamental, que é o facto de Marcelo Rebelo de Sousa, uma vez instalado no Palácio de Belém, ter assumido imediatamente o papel, tão do seu agrado, de “grande manipulador” da vida política e da comunicação social portuguesas, com um propósito bem claro: criar as condições propícias para o regresso da direita ao poder, “envenenando” constantemente a opinião pública contra este Governo, nem que seja à custa de o culpar pela tragédia dos incêndios.

Tudo isto é de uma clareza meridiana para quem ponha o bestunto a funcionar, por mais mal amanhado que seja. O que é novidade é o papel desempenhado por políticos que se autoproclamam da “ala direita” do PS, e que não se ralam, de modo nenhum, que os partidos e órgãos de comunicação social da direita se aproveitem deles para tentar enfraquecer o Governo. Três entrevistas recentes concedidas por três orgulhosos “pontas-de-lança” daquela “ala direita” – duas ao ‘Público’ e uma ao ‘i’ – revelam uma vontade descomedida de condenar todas as esquerdas e de recuperar a ideia de “bloco central” tão cara ao PPD-PSD, tal como a ideia de “arco da governação” tão cara ao CDS-PP.

Aflitiva é a falta de memória desses “pontas-de-lança” acerca do drama político que foi, para o PS, a única experiência de Governo do “bloco central”, coligado com o PPD-PSD – que traiu o PS e provocou a queda desse Governo, em total conivência com o então PR, Ramalho Eanes, mal constatou que o trabalho de recuperação das finanças, da economia e da integração do país na CEE estava concluído com êxito, sobretudo graças ao PS. “Tábua rasa”, é o que é! Virar de novo à direita é que é essencial! Teria sido preferível uma aliança com Passos Coelho, o que, só por si, constitui uma vergonha. Mas o que é que leva esses militantes do socialismo democrático ou social-democracia – se é que eles são mesmo socialistas ou social-democratas! – a nutrir uma paixão tão assolapada pela direita e pelo “bloco central”? Será por julgarem que terão mais hipóteses de assim acederem a lugares de maior poder, por exemplo no Governo? Será por julgarem que a comunicação social de direita sinceramente os admira, sem terem sequer consciência de que ela os manipula e está pronta a desprezá-los mal consiga os seus intentos? O leque de respostas é vasto.

O que impressiona nestes “pontas-de-lança” da “ala direita do PS (será que não têm sequer um guarda-redes, alguns defesas e um par de médios para evitarem ser “goleados”?!) é a arrogância, a suficiência e o desprezo pelas esquerdas que patenteiam, sem avançarem com propostas sérias e programas alternativos que sustentem o combate pelo regresso ao “bloco central” de interesses. O que mais os anima é a esperança de uma nova viragem do PS à direita, caindo no regaço dos partidos que não querem outra coisa a não ser utilizá-los como bengala. Se tal acontecer, ficam radiantes. Estão no partido errado e continuam a fazer-lhe uma oposição nada subtil e sem pudor, que roça a indecência. 

Um desses “pontas-de-lança” chega mesmo a ser grotesco na entrevista que dá, tal a abundância de frivolidades e lugares-comuns que consegue acumular. Mas tem-se numa altíssima conta. Ao tentar explicar o insucesso relativo do PS nas eleições de 2015 – para o qual deu um fortíssimo contributo com os erros que cometeu como primeiro director de campanha – refere que as eleições internas entre Costa e Seguro deixaram, passo a citar, “feridas profundas no partido que até eu não identificava”. Leu bem: “até eu”! Ora, se “até” ele não as identificava, como o poderiam conseguir os outros mortais, que não dispõem dos neurónios nem dessa superior capacidade de “identificar” que ele tem?! 

Assim vão as oposições políticas em Portugal. Numa permanente disputa para ver qual delas consegue contribuir mais eficazmente para deitar abaixo o actual Governo: se o Presidente da República; se a comunicação social propriedade dos plutocratas; se os dois partidos políticos da direita; se os “pontas-de-lança” da “ala direita” do PS… Sem excluir os autênticos “tiros nos pés” que o próprio Governo, de vez em quando, vai disparando inopinadamente!


Sobre as oposições a este Governo


Três entrevistas recentes concedidas por três orgulhosos pontas-de-lança da "ala direita" do PS revelam uma vontade decomedida de condenar todas as esquerdas e de recuperar a ideia de bloco central


Num excelente editorial no semanário francês “Marianne”, de cuja redacção é o director, o jornalista Renaud Dély põe uma questão pertinente sobre o que ele considera ser “A maldição da oposição”: “Será que um político está condenado a tornar-se estúpido quando passa a ser da oposição?” De facto, constata-se com bastante frequência, e não apenas em França, que há dirigentes políticos com acentuada predisposição para se entregarem ao disparate. Digamos que o afastamento do poder parece provocar, na maioria dos políticos, uma tendência forte para a evaporação dos neurónios, facilmente reconhecível pela vacuidade do discurso político e pelo recurso constante à demagogia.

Mais inquietante ainda é a naturalidade com que tais políticos da oposição – ao prescindirem das suas ideias próprias (se é que as têm) e dos seus programas políticos (se é que eles existem) – se deixam dominar e ser conduzidos por uma comunicação social com tendências cada vez mais “tabloides”, quase toda ela dominada pela plutocracia, cujo objectivo sempre foi condicionar o exercício do poder político de acordo com os seus interesses privados.

O que se passa neste momento na vida política portuguesa – sobretudo desde que o PS rompeu com o tabu da interdição das alianças ou meros acordos com os partidos à sua esquerda, para viabilizar o Governo – assenta como uma luva no ambiente de estupidez natural e de jornalismo político tablóide a que a maioria dos políticos da direita sucumbiu, com uma paixão inusitada pela asneira e pelo escândalo político quotidiano “desarrincado” por uma comunicação social que nutre inconfessável ódio por tudo quanto lhe cheire a esquerda.

Mas o que também é certo é que a eleição para Presidente da República de um jornalista e comentador político de direita, com várias décadas de perversidade acumulada nos jornais, rádios e televisões, acabou por constituir como que a cereja que sempre se deseja colocar em cima do bolo. Com esta consequência fundamental, que é o facto de Marcelo Rebelo de Sousa, uma vez instalado no Palácio de Belém, ter assumido imediatamente o papel, tão do seu agrado, de “grande manipulador” da vida política e da comunicação social portuguesas, com um propósito bem claro: criar as condições propícias para o regresso da direita ao poder, “envenenando” constantemente a opinião pública contra este Governo, nem que seja à custa de o culpar pela tragédia dos incêndios.

Tudo isto é de uma clareza meridiana para quem ponha o bestunto a funcionar, por mais mal amanhado que seja. O que é novidade é o papel desempenhado por políticos que se autoproclamam da “ala direita” do PS, e que não se ralam, de modo nenhum, que os partidos e órgãos de comunicação social da direita se aproveitem deles para tentar enfraquecer o Governo. Três entrevistas recentes concedidas por três orgulhosos “pontas-de-lança” daquela “ala direita” – duas ao ‘Público’ e uma ao ‘i’ – revelam uma vontade descomedida de condenar todas as esquerdas e de recuperar a ideia de “bloco central” tão cara ao PPD-PSD, tal como a ideia de “arco da governação” tão cara ao CDS-PP.

Aflitiva é a falta de memória desses “pontas-de-lança” acerca do drama político que foi, para o PS, a única experiência de Governo do “bloco central”, coligado com o PPD-PSD – que traiu o PS e provocou a queda desse Governo, em total conivência com o então PR, Ramalho Eanes, mal constatou que o trabalho de recuperação das finanças, da economia e da integração do país na CEE estava concluído com êxito, sobretudo graças ao PS. “Tábua rasa”, é o que é! Virar de novo à direita é que é essencial! Teria sido preferível uma aliança com Passos Coelho, o que, só por si, constitui uma vergonha. Mas o que é que leva esses militantes do socialismo democrático ou social-democracia – se é que eles são mesmo socialistas ou social-democratas! – a nutrir uma paixão tão assolapada pela direita e pelo “bloco central”? Será por julgarem que terão mais hipóteses de assim acederem a lugares de maior poder, por exemplo no Governo? Será por julgarem que a comunicação social de direita sinceramente os admira, sem terem sequer consciência de que ela os manipula e está pronta a desprezá-los mal consiga os seus intentos? O leque de respostas é vasto.

O que impressiona nestes “pontas-de-lança” da “ala direita do PS (será que não têm sequer um guarda-redes, alguns defesas e um par de médios para evitarem ser “goleados”?!) é a arrogância, a suficiência e o desprezo pelas esquerdas que patenteiam, sem avançarem com propostas sérias e programas alternativos que sustentem o combate pelo regresso ao “bloco central” de interesses. O que mais os anima é a esperança de uma nova viragem do PS à direita, caindo no regaço dos partidos que não querem outra coisa a não ser utilizá-los como bengala. Se tal acontecer, ficam radiantes. Estão no partido errado e continuam a fazer-lhe uma oposição nada subtil e sem pudor, que roça a indecência. 

Um desses “pontas-de-lança” chega mesmo a ser grotesco na entrevista que dá, tal a abundância de frivolidades e lugares-comuns que consegue acumular. Mas tem-se numa altíssima conta. Ao tentar explicar o insucesso relativo do PS nas eleições de 2015 – para o qual deu um fortíssimo contributo com os erros que cometeu como primeiro director de campanha – refere que as eleições internas entre Costa e Seguro deixaram, passo a citar, “feridas profundas no partido que até eu não identificava”. Leu bem: “até eu”! Ora, se “até” ele não as identificava, como o poderiam conseguir os outros mortais, que não dispõem dos neurónios nem dessa superior capacidade de “identificar” que ele tem?! 

Assim vão as oposições políticas em Portugal. Numa permanente disputa para ver qual delas consegue contribuir mais eficazmente para deitar abaixo o actual Governo: se o Presidente da República; se a comunicação social propriedade dos plutocratas; se os dois partidos políticos da direita; se os “pontas-de-lança” da “ala direita” do PS… Sem excluir os autênticos “tiros nos pés” que o próprio Governo, de vez em quando, vai disparando inopinadamente!