O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) considerou anormal na acusação do caso Fizz que o antigo procurador Orlando Figueira tivesse devolvido a Manuel Vicente documentos que continham dados pessoais, defendendo que a prática é que os mesmos fiquem no processo selados. Durante as várias sessões de julgamento, o antigo magistrado (arguido neste processo por suspeitas de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente de Angola) tem defendido que o fez por estar em causa a reserva da vida privada e frisou que o referido arquivamento foi validado pela então diretora do DCIAP Cândida Almeida. O que até aqui não era conhecido é que na própria investigação Fizz também foi determinada a extração de alguns documentos pelas procuradoras Inês Bonina e Patrícia Barão, para que os mesmos fossem devolvidos aos visados.
Estes documentos poderiam ter sido usados pelas defesas dos arguidos Paulo Blanco (que defendeu enquanto advogado o Estado de Angola) e Orlando Figueira mas que assim não puderam ser: ambos defendem que a Primagest, que contratou Figueira quando este saiu do DCIAP, está ligada ao banqueiro Carlos Silva e não à Sonangol e a Manuel Vicente.
«Nos termos do disposto no art. 86.º, n.º 7 do Código do Processo Penal (CPP), os documentos infra referidos, porque dizem respeito à vida privada de terceiros, não constituem meios de prova do despacho de acusação a deduzir e não há fundamento para que permaneçam nos autos, deverão ser devolvidos nos termos infra descritos», lê-se no despacho de 10 de fevereiro do ano passado.
Ou seja, invocou-se o mesmo artigo do CPP utilizado nos inquéritos arquivados que visavam Vicente para fundamentar no caso Fizz a devolução de documentos – sem que se mantivesse cópia no processo.
Documentos importantes para a defesa
Entre estes documentos encontram-se dados de comités de compliance do Millennium BCP que a acusação considera alheios ao caso, documentos apreendidos a Orlando Figueira, ao Banco Privado Europa e a Paulo Blanco. Além disso, está também documentação apreendida nas buscas a Angélica Conchinha, a mulher que representa em Portugal diversas sociedades de direito angolano referidas na acusação: «Pasta em formato A4, cor de laranja, contendo diversos documentos com referência à empresa Clasen – Investimentos Imobiliários S.A., e Leopoldino Fragoso do Nascimento num total de 85 folhas»; «Pasta em formato A4 de cor azul contendo diversos documentos com referência a Leopoldino Nascimento, Carlos Silva, Mário Cruz, Hostênsio Silva, Maria José da Silva, Tiago Silva, Amélia Cruz, Angélica Conchinha, Lunenburg Investments S.A. e Ifogest Consultadoria de Investimentos S.A., entre outros, num total de 60 páginas»; «Pasta de arquivo em formato A4, de cor amarela, com inscrição na lombada ‘Ifogest, S.A.’ contendo no seu interior diversos documentos com referência à empresa indicada».
O SOL sabe que esta opção das magistradas do MP será usada pelas defesas de alguns arguidos, que consideram que, como foi proferido despacho de acusação, os acusados ficaram privados de aceder a tais documentos que o MP considerou não serem relevantes. Isto porque, até para se chegar ao verdadeiro dono da Primagest, poderia ser útil informação relativa à Ifogest. Na própria acusação é referido que «a Ifogest era responsável pela gestão financeira em Portugal de sociedades utilizadas como veículos na concretização de negócios da Sonangol e de dirigentes angolanos, tais como Manuel Vicente e Leopoldino Fragoso do Nascimento, aos quais aquele grupo empresarial e pessoas singulares não pretendiam estar formalmente ligados» E afirma-se também que «entre muitas outras sociedades, a Ifogest geria a Primagest, Leadervalue e Berkeley, em, estreita colaboração com o Banco Privado Atlântico Europa».
Ora estas últimas sociedades e este banco estão no centro de todo este caso. A Primagest porque era a entidade patronal de OrlandoFigueira, pagando rendimentos que, para o MP, não passam de subornos encobertos; o BPAE porque concedeu um empréstimo de 130 mil euros a OrlandoFigueira sem garantias reais.
Por outro lado, as defesas de Blanco e Figueira garantem que todas estas sociedades estão ligadas a Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico, homem que apontam como tendo sido o responsável pela concessão do empréstimo naqueles termos.
Cândida Almeida criticou a devolução de documentos
Quando foi ouvida como testemunha, Cândida Almeida disse que o que foi feito por Orlando Figueira para arquivar o caso foi suficiente, mas criticou a devolução da documentação a Vicente, referindo que, por norma, os documentos com dados pessoais eram retirados do processo mas guardados, deixados no «cofre» ou colocados num «envelope na contracapa dos processos rubricados e lacrados».
A acusação do Fizz não se centra, porém, apenas na devolução de documentos a Manuel Vicente, sem que constassem cópia nos processos arquivados. As procuradoras também consideraram que fazia parte do alegado acordo entre o antigo procurador e o ex-vice-presidente angolano o recorte de todas as referências ao seu nome de um anexo e a aceleração OrlandoFigueira imprimiu aos arquivamentos.
Quanto à destruição das referências, Cândida Almeida também foi crítica: «Apesar de estar na lei, achava que não deveria ser feita»
O SOL contactou ontem a defesa do antigo procurador Orlando Figueira, que não quis comentar este caso. Rui Patrício, que representa Manuel Vicente e Armindo Pires, também preferiu não o fazer, referindo o seguinte: «Não comento publicamente, a não ser para reafirmar que sobre todas as várias ‘estranhezas’ do processo e da sua tramitação nas fases de inquérito e de instrução, para além do já requerido e afirmado no processo várias vezes oralmente e por escrito, tratarei em detalhe em alegações finais».
Orlando Figueira é suspeito de ter recebido luvas de 760 mil euros para agilizar e arquivar inquéritos que visavam Manuel Vicente. Os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires, homem de confiança de Vicente, terão sido os intermediários do esquema segundo o MP.