Motivarmo-nos é das coisas mais difíceis de sempre. Não somos todos PT’s nem coaches. Somos seres comuns com as dificuldades habituais de encontrar soluções para a apatia e a falta de coragem. Como sabem, sou freelancer, o que significa muitas coisas: isenção de horários, capacidade de organizar jantares de amigos à quarta-feira, liberdade para trabalhar em qualquer lugar (desde que tenha um computador e internet), mas também não dá como fugir ao maior inimigo de todos os tempos – o medo. Mesmo assim, acho que tenho o perfil ideal para viver desta forma porque acredito sempre que tudo se resolve. Além disso, acho que me é fácil (quase sempre) relativizar. Este fim de semana aprendi, mais uma vez, a fazê-lo. Conheci uma pessoa excecional que está a passar pela porrada do cancro – ainda em choque, está a tentar compreender que raio de tufão lhe apareceu em casa e está a partir tudo à volta. E se não aprender a relativizar quando conheço (mais uma) pessoa que está a tentar encontrar alguma orientação, então o que ando aqui a fazer? Como posso falar de medo, do meu medo quotidiano, quando ele é tão pequenino em comparação com o outro?
O medo existe em todos nós, mas tem diferentes formatos e isso conta. Conta, sim, perceber que um medo é maior que o outro e não me digam que os medos não se comparam, porque comparam. As dores, ok, não se medem, não se colocam lado a lado para ver qual é maior, mas o medo, sim. Se tens alguém à tua frente com medo de perder quem ama, claro que o teu medo de conseguir ou não aquele trabalho é menor – aliás, é menos importante. Não tenho pudor em dizer isso. Não acho mal que se diga a alguém “cala o teu medo mesquinho que ao pé daquele é ridículo” porque, no fundo, estás a ajudar o outro a relativizar – de certa forma, até lhe estás a fazer um favor. Ainda bem que as coisas não têm a mesma importância, ainda bem que sabemos também encontrar o nosso lugar e perceber que não faz sentido queixar-me do meu tornozelo arranhado perto de um azarado que acabou de partir as duas pernas. Esta é a minha conclusão de fim de semana.
Talvez seja essa escala de importância das coisas e dos medos que depois me leve a acreditar que as relações também funcionam por prioridades – se a tua mãe está deprimida, tens de ser mais forte por ela, e se o teu amigo está ocupado, tem de arranjar tempo para te ouvir – e talvez seja por isso que precisemos de todo o tipo de relações. Precisamos dos pais, dos irmãos, dos amigos, dos colegas de trabalho, dos conhecidos. Cada um com a sua missão, o seu posto, a sua importância, e incomoda-me um bocadinho que se tenha pânico de se dizer as coisas como elas são. “Não faz sentido o que dizes, porque não podemos cobrar. Não podemos pedir aos amigos que estejam presentes porque a amizade não se cobra.” Beeem… lá vem esta ovelha negra dos erres desregulados discordar um bocadinho disto.
Claro que não esperamos os nossos amigos com um taco de basebol à porta nem lhes enviamos uma carta de intimidação. Não passamos multas ao amigo que nunca está presente, mesmo que tenhamos vontade. Não é isso. Mas podemos mostrar-lhe que nos faltou, podemos dizer-lhe que nos falhou. Podemos esperar um pouco mais de quem nos conhece há dez anos e sabia o quão aquele dia era importante para nós, podemos pedir mais atenção porque achamos que a merecemos, podemos cobrar. É feio, ninguém gosta de o fazer, mas não sei como é que nos relacionamos uns com os outros sem criar alguma expetativa. Elas existem, claro. É terrível, é injusto até querer que alguém se comporte de certa forma e é moralmente reprovável dizer “afastei-me do meu amigo porque me senti no direito de lhe cobrar apoio e ele não o deu”. Que raio de amiga é aquela que cobra? Aquela que aceita que lhe cobrem. Não me choca que a minha amiga de sempre me diga em tom assertivo: “Marine, vou tentar marcar café contigo e ficarei mesmo triste se não puderes estar comigo novamente.” Confesso que não adoro isso nem suporto muito bem que me pressionem, mas aceito que essa pressão exista contra mim e a meu favor. Fazemos jantares em casa; estamos dez horas ao telefone com o nosso amigo por causa da gaja que o deixou e sabemos perfeitamente que amanhã volta para ela; fingimos que adorámos o novo corte de cabelo; corremos de ressaca só para não falhar ao compromisso; fazemos quilómetros para participar no evento onde o amigo é a estrela, mesmo que mais ninguém apareça; inventamos consolos à pressa e a amizade não se cobra? Os medos não se medem? As relações não se priorizam?
Blá, blá, blá.
A vida não é perfeita e nós, quer queiramos quer não, mantemo-nos à tona porque temos alguma orientação, algumas regras, algumas dicas. Cobram–nos, cobramos, damos, recebemos. Funcionamos com feedback, por estímulo e só assim encontramos motivação para nos levantarmos mesmo que o dia esteja feio. Se não tivermos ninguém para chatear, quem é que quer deixar os lençóis quentinhos?
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Escreve à quinta-feira