Nos últimos quatro anos, o CM viu passar por ele três diretores, alguns procedimentos de averiguação, inúmeras notícias de jornal, processos judiciais e infindas circunstâncias que intervieram na estrutura militar e política. Apesar disso, a degradação acentua-se, a incompatibilidade com a realidade acrescenta-se e a divergência entre leituras do passado e realidades do presente parece não apresentar solução.
O CM é, em primeiro lugar, uma escola. Sim, uma escola de valores e de disciplina, mas sempre uma escola que quer que os seus alunos sejam reflexo de uma educação primorosa e de um ensino de elevada qualidade. Foi isso que me levou a ser um pai do CM, a gostar dele como poucos. Porém, tal circunstância está em vias de deixar de ser assim.
Mais de metade dos alunos finalistas em 2017 tiveram de repetir o 12.o ano, alguns entraram no ensino superior em cursos que não ambicionavam e o nível médio é absolutamente indecoroso quando comparamos com outras escolas, públicas e privadas, do mesmo nível.
Este ano, a quase totalidade dos alunos do 12.o ano “desgraduaram-se”. Porque os oficiais não conseguem entender que os jovens de hoje se não podem conter a regras de tempo idos, porque o CM não escolhe o seu pessoal tendo em conta o conhecimento fundo do crescimento humano e o saber da realidade psicológica de conjuntos vastos de crianças e adolescentes.
O que é um graduado? Um graduado é alguém que, para além de ser aluno finalista (ou quase), tem a responsabilidade de acompanhar dezenas de outros alunos de anos inferiores, que tem a obrigação de transportar para eles uma história, uma pertença, o garbo de uma farda. Ora, ao CM, direção e associações, deve competir a conjugação desta responsabilidade com a de um sucesso educativo exemplar, a visualização de um caminho para a referência pública. Tal não acontece hoje.
Os graduados que se revoltaram contra a estrutura militar têm razão, mesmo que a não tivessem antes. Porque é atroz, é inaceitável, é perversa uma suspensão coletiva da frequência do internato por razões que nem o regulamento interno autoriza cabalmente, a poucos dias dos exames nacionais. Uma direção que não tem a sageza necessária para ponderar o bem maior, perante a realidade de uma circunstância passageira, não pode continuar a cumprir a missão que a estrutura militar lhe determinou.
Mas a situação do CM não é só a de uma crescente desconexão com a realidade. O colégio não se destina a construir soldadinhos de chumbo nem a rever-se nos bailes de gala destinados às chefias em pompa. O colégio é uma obrigação da nação, assumida pela criação de Teixeira Rebelo, mas que deve ser reinventada a cada tempo, a cada geração.
Ora, o CM não tem um projeto educativo válido, não tem uma direção pedagógica conhecedora da realidade externa, não tem (com valorosas exceções) um corpo docente que se apoquente com as crianças e os jovens. Nunca o CM se preocupou em entender como é que outras escolas públicas fazem os melhores alunos, porque muitos dos docentes e a sua coordenação pedagógica não estão à altura de saber como se promove o benchmarking educativo e como se incorpora inovação.
Quando uma turma de Português, por exemplo, chega ao 10.o ano e observa 70% de negativas nos dois primeiros períodos, não estaremos em presença de um grupo de alunos que se reuniram por problemas cognitivos, mas estaremos, com toda a certeza, em presença da necessidade de uma avaliação dos três anos anteriores ou da realidade pedagógica do docente que os recebe. Ora, o CM não quer saber da qualidade da educação, não estima convenientemente os seus professores na perspetiva de os manter ou adequar melhor à evolução da aprendizagem, nem sequer gere o corpo docente no sentido de impedir que uma turma finalista possa ter três professores num só ano.
Estas realidades, que nós próprios quisemos fazer ver aos últimos três diretores em três anos, não interessam nada. Porque no CM o que importa é manter uma paz podre, uma aparência ensurdecedora, uma decrepitude que levará ao desaparecimento.
A cada ano, dezenas de antigos alunos passam pelo CM. Recuperam as suas memórias, o que aí foram. Esse lado de nostalgia também tem desgraduado o avançar do CM para novos patamares, tem impedido que os antigos alunos sejam, como tinham obrigação de ser, um motor de modernidade e de afirmação.
Pode o CM ser uma escola referência com modelos antigos, ultrapassados e pedagogicamente incorretos como os que verifica hoje? A resposta é: não! E pode haver outros rumos que o habilitem a seguir por mais dois séculos? A resposta é: sim! Mas não se pode caminhar para um colégio onde o insucesso final seja a norma, onde a incapacidade para olhar e conhecer o mundo seja habitual, onde a matriz docente seja das décadas do pré-digital.
Qualquer uma das crianças do CM dá uma “abada” no grosso dos professores no que se refere à tecnologia, à velocidade cognitiva, à interação com o mundo. Tudo isto implica na comunhão obrigatória de propósitos. E, no CM, isso não existe. No CM não se avaliam os skills para além da esgrima, do tiro ou da equitação. Sim, o CM deve ser isso, porque é uma instituição especial, mas isso não pode impedir que seja net, dados ou blockchain.
As últimas notícias, decorrentes de atitudes irrefletidas e tipicamente ortodoxas, vieram colocar o CM de novo nas páginas dos jornais. Não pararão até alguém se cansar e acabar com a brincadeira. Nessa altura, muitos farão campanhas de memória. E, nessa altura, alguns estarão cá para lhes recordar o silêncio que mostraram perante os dias da decadência.
Dirão que este texto é uma revolta. Sim, é uma revolta. Porque a nossa filha é uma “menina da Luz” que honra a barretina e a transporta para cada um dos seus tempos. Porque nós incorporamos o gosto de muitos pais que ficaram com o CM no coração e se negam a vê-lo cada vez mais lateral. Por isso, é mesmo uma revolta e um clamor.
O responsável máximo pelas instituições militares de ensino deve avaliar a situação. Determinar os remédios e os calendários de resposta. Se o resultado for negativo, a curtíssimo prazo, só resta ao chefe do Estado-Maior do Exército fazer o que se impõe: extinguir o CM. Não é mais possível autorizar que o país assista a esta permanente embófia. E, já agora, tirem o ministro da Defesa deste filme. Tudo isto é castrense e está longe, muito longe, da coisa governativa.
Deputado
Membro da comissão
parlamentar de Defesa