Tiago Campante. “O futuro das ciências do espaço em Portugal está garantido”

Tiago Campante. “O futuro das ciências do espaço em Portugal está garantido”


Astrofísico português tem 37 anos e já participou no planeamento científico de duas missões da NASA


Tiago Campante é um dos responsáveis pelo planeamento científico do TESS, satélite lançado pela NASA em abril. Aos 37 anos, o astrofísico português conta que esta não é a primeira vez que colabora com a agência espacial norte-americana – já o tinha feito com o satélite predecessor, o Kepler. O seu nome encheu páginas de jornais em 2015, quando integrou a equipa que descobriu um sistema solar com cinco planetas semelhantes à Terra. Este ano ganhou uma bolsa de 160 mil euros da Comissão Europeia para estudar planetas que orbitam estrelas maiores do que o Sol e mais evoluídos. E está otimista quanto ao futuro deste campo de estudo em Portugal.

Começou por estudar física aplicada e matemática…

Sim, licenciei-me pela Universidade do Porto, em 2007. Seguiu-se o doutoramento em Astronomia, em que passei metade do tempo na Universidade de Aarhus, na Dinamarca, e a outra metade na Universidade do Porto. Concluí o doutoramento em 2012 e depois seguiu-se uma série de pós-doutoramentos. Em setembro do ano passado voltei ao Porto, de onde sou natural, como professor auxiliar convidado da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e como investigador integrado no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, uma entidade de referência a nível nacional na investigação na área das ciências do espaço.

E recentemente recebeu uma bolsa particularmente importante, não foi?

Em janeiro recebi uma bolsa Marie Curie, dada pela Comissão Europeia. São bolsas altamente competitivas. A taxa de sucesso à partida é de 10% a 15%, portanto, a competição é muito elevada. Por isso, fiquei muito feliz ao saber da notícia. Essa bolsa vai permitir levar a cabo um projeto nos próximos dois anos que se relaciona com dados científicos provenientes da missão espacial TESS, da NASA. Contempla duas componentes: uma de comunicação de ciência, que ainda estou a decidir como irei abordar – talvez fazendo um percurso pelo país, para dar palestras pelos centros de Ciência Viva; outra é de investigação.

Como vai ser a investigação?

É baseada em dados científicos recolhidos pelo satélite TESS, que tem como missão fazer um levantamento ou rastreio de planetas extrassolares em torno das estrelas mais brilhantes na vizinhança cósmica do Sol. Para isso, o TESS vai usar um método que é o chamado método de trânsito – sempre que um planeta passa em frente à sua estrela, essa passagem provoca uma ligeira diminuição do brilho da estrela, e quando isso acontece dizemos que detetámos um trânsito planetário. Durante a missão, que tem uma duração de dois anos, espera-se que o TESS venha a detetar várias centenas, senão alguns milhares de planetas extrassolares. Estou interessado num tipo muito particular de sistemas: os planetas que orbitam estrelas gigantes vermelhas, que são um tipo de estrela especial, mais evoluída do que o Sol e extremamente grande. O próprio Sol vai evoluir para uma gigante vermelha.

Que consequências pode isso ter?

O Sol vai expandir-se ao ponto de essa expansão atingir o que atualmente é a órbita da Terra em torno do Sol. Portanto, não se sabe muito bem, mas a Terra poderá eventualmente vir a ser engolida pelo Sol quando ele chegar a essa fase de gigante vermelha… Isso só vai acontecer daqui a cinco mil milhões de anos. [risos] O Sol está mais ou menos a metade da sua vida, é um adulto entre os 30 e os 40 anos. Ainda não chegou a essa fase, mas outras estrelas na sua vizinhança cósmica já chegaram. São essas as estrelas em que estou interessado e nos seus planetas.

Porquê?

Porque nos permitem responder a muitas questões pertinentes, como qual o futuro da própria Terra ou qual a frequência de planetas em torno desse tipo de estrelas. Portanto, há toda uma série de questões científicas que se levantam e que parece que a Comissão Europeia também acha interessante, ao ter-me atribuído a bolsa… [risos]

Não é a primeira vez que colabora com a NASA.

Antes de trabalhar no planeamento científico do TESS trabalhei durante vários anos na exploração de dados científicos provenientes do antecessor do TESS, o satélite Kepler. O Kepler foi lançado em 2009 e durante quatro anos observou uma pequena porção do céu, uma estratégia diferente da do TESS, que vai observar todo o céu durante dois anos. O TESS é uma missão de rastreio e o Kepler não, permitiu ir mais ao detalhe, é uma caracterização mais detalhada dos sistemas planetários que são descobertos. Na altura estava na Universidade de Birmingham, tinha contacto privilegiado com várias pessoas ligadas ao Kepler e recebi o convite para participar. Trabalhei muito com os dados do Kepler e, depois, também no planeamento científico para o TESS, que começa muito antes do lançamento das missões e dos satélites.

Em que consistiu o seu trabalho?

Teve que ver com uma seleção prévia dos alvos a observar. Claro que não sabemos se têm ou não planetas em seu redor, mas o céu já foi mapeado e, portanto, já sabemos exatamente onde é que as estrelas estão posicionadas e fazemos uma seleção prévia com base na possibilidade/probabilidade de, se houver lá um planeta, ele ser detetável. Ou seja, é com base na detetabilidade de um planeta hipotético, que não sabemos se existe ou não, que são selecionadas as estrelas a observar, para maximizar as chances de detetar se realmente tiverem planetas.

Colabora também com a Agência Espacial Europeia…

Trabalho no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e a estratégia do instituto passa por aproveitar o potencial criado pela participação de Portugal tanto na Agência Espacial Europeia (ESA) como no Observatório Europeu do Sul. Portugal investe diretamente nestes consórcios. Na ESA, Portugal investe anualmente cerca de 20 milhões de euros e tem um retorno comercial de 40 milhões de euros. Há uma margem de progressão ainda muito grande, em termos de contratos com a indústria, de criação de postos de trabalho… já é positivo, mas ainda temos muito para progredir. Na Agência Espacial Europeia estou também envolvido numa outra missão, a PLATO. Este satélite está agora na fase de desenvolvimento e vai ser lançado em 2026. Ainda faltam oito anos mas, claro, todo o trabalho de desenvolvimento e de planeamento já foi anunciado. Vai ter dois objetivos principais: a deteção e caracterização detalhada de planetas extrassolares, e o outro prende-se com uma área muito específica da física solar chamada astrossismologia.

O que é?

É o estudo das ondas sonoras repetidas no interior das estrelas. Essas ondas fazem a estrela vibrar e, ao vibrar, o seu brilho varia muito ligeiramente, quase de forma impercetível. O sol também tem oscilações no seu interior e vibra – nós não conseguimos perceber, mas um satélite como o PLATO consegue e faz esse tipo de medições. E ao medir as variações do brilho da estrela conseguimos inferir as suas características físicas, tais como a dimensão da estrela, o diâmetro, a sua massa e até a idade. E uma vez que o método do trânsito, que faz a deteção dos planetas, só nos dá informação do planeta relativamente às características da estrela – ou seja, aquilo que conseguimos medir usando o método de trânsito não é o tamanho do planeta, mas sim o tamanho do planeta relativamente ao tamanho da estrela -, sem saber o tamanho da estrela nunca saberemos qual o tamanho do planeta. Portanto, a astrossismologia permite medir as características da estrela e, aliando isto ao método de trânsito, conseguimos chegar ao tamanho absoluto do planeta. Daí a importância da astrossismologia: caracteriza-se a estrela para se caracterizar também o planeta ou planetas.

Para nós, que estamos aqui em baixo na Terra, como é que isso nos afeta?

É uma tentativa de compreender o universo, as nossas origens. Um dos objetivos é tentar perceber quão comuns são esses planetas. Ao responder a uma questão desse género, estamos a perguntar também quão comum poderá ser a vida tal como a conhecemos. Além disso, a astrofísica, a astronomia e as ciências do espaço promovem o desenvolvimento de tecnologia de ponta e isso tem um impacto social e económico muito grande, sobretudo em dois domínios – na ótica e na eletrónica. Muitos dos avanços tecnológicos promovidos pela astronomia são hoje usados em utensílios tão comuns quanto computadores pessoais, telemóveis, aparelhos de ressonância magnética, GPS, sistemas de processamento global…

Como vê a investigação por cá? Tem o financiamento necessário?

A área das ciências do espaço tem, a nível nacional, o maior fator de impacto relativo científico. Ao mesmo tempo, tem também um dos maiores índices de citações por publicação a nível nacional – portanto, tem uma grande força. E temos, a nível nacional, a capacidade científica e tecnológica instalada para sermos líderes internacionais nesta área específica. Agora, para liderar um projeto dessa envergadura, embora tenhamos a capacidade científica e tecnológica, precisamos também de financiamento constante e previsível. Uma coisa é um financiamento constante, ao longo de vários anos, a médio e longo prazo – isso é imprescindível. Outra coisa é a previsibilidade de um financiamento: se há uma oportunidade de financiamento e, passado dois anos, porque mudou um governo, ela já não existe, isso pode pôr em risco a liderança de um projeto a nível europeu. Não digo isto em jeito de crítica, mas é uma ideia que tem de ser reforçada.

As ciências do espaço têm futuro em Portugal?

Sim, o futuro nesta área está garantido. Em termos de projetos em estado de maturação, em que os dados científicos estão a chegar, e projetos ou missões que estão nesta altura apenas em fase de planeamento, como o PLATO, temos aqui trabalho para os próximos 20 anos. Certamente, nas próximas duas décadas haverá um número elevado de missões em que a comunidade portuguesa das ciências do espaço vai estar envolvida, não tenho a menor dúvida disso.