As “boas-pessoas-más”


Afastei-me dos que insistiam que eu desabafasse porque parecia que me forçavam a desabar. E não havia mais teto para cair


Todos nós conhecemos aquelas pessoas que, aparentemente, nunca falham. Normalmente parecem-nos seres perfeitos e, se nos compararmos a eles, ficamos mal na fotografia porque não há nada que lhes escape: enviam sempre um postal bonito quando estão de férias, telefonam quinzenalmente para perguntar se está tudo bem, escrevem uma mensagem personalizada para cada contacto nas épocas festivas e, se porventura lhes dizemos que temos uma consulta médica, eles ligam no dia exato a perguntar como correu. São infalíveis. Mas mais do que funcionarem à base da agenda eletrónica, estas pessoas estão sempre presentes no nosso pior: dali, esperamos sempre os melhores ouvintes, aconselham-nos sobre os nossos problemas e estão constantemente preocupados com aquilo que nos apoquenta. Têm uma frase que é mais dita que “bom dia”: “Estou aqui para o que precisares.”

Estas pessoas que nunca falham e a quem nós não temos NADA a apontar criam-nos duas coisas: ansiedade e suores frios. Em primeiro lugar, porque fazem com que pareçamos as piores pessoas do mundo (já que sentimos que nunca estamos à altura) e, depois, porque há aqui alguma coisa que não bate certo. Não sabemos explicar porquê (nem temos coragem de admitir tal coisa em voz alta), mas não nos sentimos confortáveis com tanta amabilidade. Não é? A primeira conclusão a que chegamos é que somos umas bestas desconfiadas. Talvez por estarmos queimados com o lixo do mundo, acabamos por estranhar a amizade correta ou… talvez não seja isso, talvez seja outra coisa. Talvez não sejamos desconfiados, mesquinhos, talvez o desconforto não seja paranoia nem mania.

Pode ser que, em alguns momentos, a bondade venha disfarçada de manipulação.

As “boas-pessoas-más” querem muito ser validadas. Fecharem o check da lista é mais importante que o próprio problema, que até dá jeito para colocar em prática algumas frases-cliché por testar. Estar no pior de alguém não é sempre um sacrifício, porque esse pior faz refletir o melhor de quem ajuda, faz brilhar a sua parte. Como se soubesse bem estimular a que o outro partilhe a desgraça em que vive para se poder desbobinar a sentença e o credo, e os abraços não são só aconchego, são também proveito.

Às vezes, a bondade é poder. A presença é pressão. A amizade é ego.

Lembro-me que na pior fase na minha vida senti por parte de algumas pessoas essa necessidade de estarem comigo na minha tragédia. Senti tanta aversão a isso. Afastei-me dos que insistiam que eu desabafasse porque parecia que me forçavam a desabar. E não havia mais teto para cair. Abracei as pessoas que me sorriram, sim, que fizeram silêncio comigo, sim, que me ouviram quando eu quis falar, sim, mas fugi de todos os que fizeram força para estarem presentes no meu pior. E, incrivelmente, foram as que não trouxeram as malas que acabaram por se instalar na minha vida.

Acho que é importante saber não estar na dor se isso a atenuar, mesmo que se perca pontos, mesmo que não se marque presença. Porque, às vezes, o maior ato de amor é a ausência, se assim tiver de ser.

 

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