Um espinho chamado Pinho


O caso Pinho não afeta só o PS, mas toca objetivamente toda a democracia portuguesa


1. O caso Manuel Pinho merece reflexões sistemáticas, até porque a procissão só vai no adro. Antes de ser ministro de Sócrates e de receber os tais 15 mil euros por mês de Salgado ao mesmo tempo que governava, Pinho foi nomeado, nos anos 90, diretor-geral do Tesouro por Braga de Macedo, à época ministro das Finanças. Nunca se percebeu bem de onde esse independente apareceu e muito menos se entendeu que tenha deixado essas altas funções para transitar subitamente para a administração do Grupo Espírito Santo, ocupando um lugar que, por definição, estava reservado a membros do clã. Lá está uma questão que pode interessar esclarecer na justiça ou no parlamento, se Pinho lá for, o que é altamente improvável, salvo se houver uma comissão de inquérito às rendas da EDP, com presença obrigatória. Por vontade própria, Pinho só irá à Assembleia depois de prestar depoimento na Procuradoria, que tem o processo parado há dez meses, em mais uma prova da ineficácia da dra. Joana. Rui Rio foi certeiro e hábil ao suscitar a convocatória para a Assembleia da República, arrastando os outros partidos a segui-lo, embora nenhum estivesse interessado nisso, começando no PS, passando pelos “geringoncicos” e acabando no submersível CDS. Ganhou, finalmente, pontos na política com isso e com a exigência de que sejam tornados públicos os grandes devedores da Caixa Geral de Depósitos.

Outro aspeto curioso neste caso Pinho é a ingenuidade com que alguns comentadores, designadamente os dominicais, afirmam ser esta a primeira vez que um ministro recebia dinheiro de uma entidade enquanto estava no governo. A formulação é incorreta. Trata-se, sim, da primeira vez que se sabe que um governante recebia dinheiro de uma empresa enquanto estava em funções. Num país com tantas histórias de corrupção, o que seria estranho era esta ser uma situação única, quando sempre se disse que certos grupos tinham sistematicamente gente sua colocada em lugares estratégicos da área da economia. O caso Pinho é um espinho cravado na nossa democracia que atinge mais particularmente o PS no período negro de Sócrates e dos seus comparsas, fossem eles governantes ou empresários. Mas não só. Como se vê, a criatura já andava por aí. Antes de chegar ao governo, já se mexia (passe o trocadilho) bastante bem.

2. A Moody’s manteve a dívida portuguesa como lixo especulativo. Havia quem já desse a melhoria da nota como adquirida, antecipando comentários ditirâmbicos em rádios e televisões. Ficaram sem pio quando a agência optou por empurrar uma decisão para o fim do ano. A Moody’s foi a primeira financeira a desclassificar-nos. Provavelmente será a última a voltar a dar-nos confiança, se é que o vai fazer. Racionalmente, não se pode estranhar. A nossa dívida pública e privada continua astronómica e sobe nominalmente, embora desça em relação ao PIB. O nosso crescimento é dos mais fracos da Europa a 28. A banca nacional está cheia de potenciais novas implosões. As exportações vão bem sobretudo no turismo, mas há uma verdadeira fobia política para acabar com ele porque, supostamente, impede um mercado de arrendamento que na verdade não existe desde a descolonização. Tudo num país envelhecido, sem imigrantes e cheio de emigrantes nacionais, que continuam a partir. E, como se não bastasse, há ainda a circunstância de sermos dos países mais expostos ao aumento do preço do petróleo, que já anda pelos 80 dólares por barril e que nós taxamos como em lado nenhum. Estamos melhor do que há uns anos, é verdade. Mas ainda estamos convalescentes.

3. Segundo os mentideiros do PSD, há uma altíssima probabilidade de Isabel Meireles integrar a lista de candidatos a deputados às eleições europeias em lugar elegível. Tal resulta da circunstância de ser tida como uma especialista em assuntos europeus. O argumento carece de fundamento objetivo. É como entender que um futebolista é, por definição, um treinador de excelência, o que não é o caso. Para ser bom eurodeputado é necessário, antes do mais, ser um político com provas dadas. Ora, a prestação de Isabel Meireles na política do PSD tem sido nula, tirando, evidentemente, a sua chegada de rompante. Há ainda uma memorável candidatura à Câmara de Oeiras, em que sofreu uma derrota tão grande quanto humilhante.

4. Fazer valer direitos de consumidor em Portugal é um calvário. Quem compra ou estabelece uma relação contratual arrisca-se a ter problemas insolúveis, dado o emaranhado de alçapões no que se assina, a má-fé dos fornecedores e a completa incapacidade de quem fiscaliza ou tem de fazer justiça, tipo ASAE, julgados de paz, os supostos provedores ou essa inutilidade chamada Polícia Municipal de Lisboa, que mais não é do que um centro de custos da EMEL, bem nutrido, bem equipado, enquanto a verdadeira PSP se arrasta sem meios, para desgraça do cidadão indefeso. Ter um conflito com uma empresa grande, tipo PT, é geralmente uma guerra perdida. Na compra de equipamentos há casos em que, perante avarias, em vez de os mandarem para os representantes legítimos, as empresas recorrem a subcontratados não homologados por fabricantes. Resultado: quando as coisas não se resolvem, as marcas percebem que os aparelhos foram mexidos por entidades de vão de escada, o que leva à denúncia das garantias. Ainda por cima, todos (vendedores e fabricantes) tentam responsabilizar o consumidor por esse manuseamento que ele desconhece. Um escândalo!

 

Jornalista