O SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) entrou no vocabulário dos portugueses no verão passado, na sequência dos trágicos fogos florestais ocorridos. Discutiu-se muitas coisas deste sistema, nalguns casos sem fundamento técnico e noutros sem perceção das limitações inerentes ao sistema, que usa a tecnologia TETRA.
A utilização do TETRA pelo SIRESP foi a solução técnica adequada, atendendo a que não existia tecnologia alternativa. Um sistema de comunicações para utilizadores de emergência e segurança não pode ser igual aos sistemas que temos nos nossos telemóveis (sistemas comerciais), uma vez que os objetivos são muito diferentes. O TETRA permite a realização de chamadas telefónicas num intervalo de tempo máximo de alguns segundos, mesmo quando a rede está totalmente ocupada, o que garante a realização de chamadas de emergência. Permite também que uma pessoa identificada como “comandante” possa realizar chamadas para um grupo de utilizadores, o que é essencial na coordenação de um conjunto de pessoas na realização de uma dada tarefa (por exemplo, combate a um fogo). Os telefones móveis podem comunicar diretamente entre si (modo direto), o que possibilita a comunicação entre utilizadores mesmo quando as estações-base ficam inoperacionais. As comunicações são codificadas com um nível de segurança mais elevado, de modo que seja quase impossível fazer escutas telefónicas por gravação de sinais. Estas características são inerentes ao sistema, ou seja, já existem quando este é adquirido.
Por outro lado, na implantação da rede do TETRA na área de serviço há que ter critérios específicos. Um dos aspetos básicos é a criação de redundâncias nas ligações entre os vários nós da rede, de modo que esta tenha um nível de fiabilidade superior ao das redes comerciais, permitindo que, em situações de catástrofe (em que as redes comerciais poderão ficar inoperacionais), a rede mantenha ainda comunicações entre os seus utilizadores. Os critérios de dimensionamento de uma rede TETRA são necessariamente diferentes dos que são usados nas redes comerciais. Enquanto, nas últimas, os critérios de cobertura se definem habitualmente por percentagens de cobertura do território e de população, na primeira, estes critérios devem incluir pontos nevrálgicos (por exemplo, centros de coordenação da autoridade de proteção civil e de bombeiros), para além de dever cobrir áreas que se identifiquem como necessárias (por exemplo, áreas de risco de fogos florestais, onde inclusive pode não haver cobertura das redes comerciais).
Como disse anteriormente, a escolha do TETRA foi a adequada no momento em que foi feita, por não haver alternativa real. O TETRA é um sistema similar ao GSM e, portanto, de 2.a geração, com um capacidade de transmissão de dados muito limitada, nomeadamente nas velocidades de transmissão que possibilita. Em termos de evolução, enquanto os sistemas comerciais têm sofrido ciclos de uma década, em que o UMTS (3.a geração) e o LTE (4.a geração) se sucederam ao GSM, no caso dos sistemas de emergência e segurança nunca houve um desenvolvimento paralelo, por razões comerciais e de evolução do panorama de negócio das telecomunicações. Assim, só recentemente se começou efetivamente a desenvolver um sistema sucessor do TETRA, baseado em LTE, que se espera fique completamente operacional dentro de um par de anos. Podemos, portanto, esperar que, num futuro próximo, os utilizadores de emergência e segurança possam usar uma rede própria para transmitir dados a uma velocidade “decente” (isto é, igual à que têm nos seus telemóveis pessoais), para além de outras funcionalidades. É sempre bom que não tenham de as usar em situações de catástrofe, mas isso é algo que nós não controlamos.
Professor de Comunicações Móveis,
Instituto Superior Técnico