Muito se escreveu e escreverá per omnia saecula saeculorum sobre o desastre de Superga que arrasou o Grande Torino, tida como a melhor equipa da Europa do seu tempo. Muitos pormenores já foram escalpelizados sobre a viagem que levou os italianos de Lisboa até à morte. Mas houve vida antes da morte.
A chegada do Torino ao aeroporto da Portela pelas 16h30 do dia 1 de maio de 1949 foi um acontecimento. Gente de nome feito no futebol português – Pereira da Rosa, Ribeiro dos Reis, Augusto Colombo, Tavares da Silva – esperava a comitiva italiana, que vinha participar na festa de despedida de Francisco Ferreira, grande capitão do Benfica, com uma partida entre os dois clubes agendada para o Estádio Nacional.
O grupo turinense era composto por 26 pessoas, incluindo três jornalistas do “La Stampa”, do “Tuttosport” e da “Gazzetta del Popolo”, e um mundo de estrelas do universo da bola como Bacigalupo, Ballarin, Rigamonti, Loik, Gabeto, Ossola e o famosíssimo Mazzola. Praticamente, a seleção italiana em peso.
“Vamos ter oportunidade de ver em ação uma extraordinária equipa: dura e forte na defesa, ágil e elástica no ataque. Um team que joga muito rápido e é de modelar compenetração. Todos, mais ou menos, científicos do jogo”, escreveu Tavares da Silva.
O Torino acabara de vencer o Inter e tinha o título italiano agarrado com ambas as mãos. A delicadeza dos seus dirigentes deixava encantada a imprensa lusitana. O comendador Novo, presidente do clube, não viajara por motivos de saúde. A doença salvou-o, ironicamente, da morte. Agnisetta, o vice-presidente, afirmava, galante: “Fizemos um grande jogo no fim de semana, em Milão. E poupámos Mazzola para que ele se apresente fresco, aqui, em Lisboa, de forma a dar o seu melhor perante o público português que está, certamente, ansioso por vê-lo.”
Ah, pois! Nessa altura, as estrelas não se viam assim ao vivo, facilmente, na Via Láctea do futebol universal.
Mazzola também deixava palavras amáveis e encantadoras: “Estou feliz por vir a Lisboa homenagear o Francisco Ferreira, de quem sou amigo. Ele dirigiu-me este convite aquando do último Itália-Portugal e eu aprestei-me a apresentá-lo aos meus dirigentes. Francisco Ferreira é um jogador rápido e enérgico, de grande preparação, de tal forma que até costuma ir subindo de produção com o decorrer dos jogos.”
Eis, portanto, o Grande Torino em Lisboa. E, logo em seguida, no Estoril. Foram ao Estádio Nacional dar uma olhadela ao palco do encontro. Saíram encantados. Seria certamente fantástico jogar no meio de toda aquela verdura vivaz do vale do Jamor.
O resultado ficaria registado na memória do futebol em Portugal: 4-3 para o Benfica. Uma proeza.
O relógio, inexorável, somava minutos em direção à hora da morte de um conjunto lendário. Mas, no dia 1 de maio, os portugueses que adoravam o jogo inventado pelos ingleses imaginavam-se já nas bancadas a comentar as virtudes de uma equipa cujo nome se tornaria imortal.
Na véspera, o presidente do Benfica, Mário Madeira, ofereceu um almoço aos dirigentes do Torino. Depois foi a vez de serem recebidos com rapapés na Câmara Municipal de Lisboa por Salvação Barreto.
O tempo prometia sol.
Não faltavam fotografias da chegada do Grande Torino a Portugal.
Se um fiozinho de destino se ia entranhando na alma dos italianos condenando-os a uma tragédia irreversível, ainda não era o suficiente para lhes apagar dos rostos sorrisos felizes…