Infelizmente em Portugal, em algumas áreas, demoramos demasiado tempo a perceber que precisamos de repensar os modelos de trabalho que temos em funcionamento. Ficamos demasiado tempo cristalizados aos sistemas que funcionaram e, como achamos que continuam a funcionar, nada mudamos.
Em alguns casos até continuam a funcionar e a cumprir o estipulado ou o que foi definido como estratégia, o problema é que entretanto essas estratégias tornaram-se obsoletas, desenquadradas da realidade global e ninguém se lembrou tomar a iniciativa e repensar tudo isto.
Em concreto refiro-me à política de cooperação portuguesa, a qual, ao longo dos últimos 18 anos desenvolveu um meritório trabalho, com resultados bastante positivos e que foi perdendo o seu gás à medida que o orçamento foi diminuindo.
Nunca fomos um País que dedicasse uma grande fatia do orçamento para a cooperação e, em rigor, nem sempre são precisos grandes pacotes financeiros para fazer boa e efetiva cooperação. É preciso mais do que isso, é preciso capacidade de iniciativa e uma grande dose de voluntarismo e imaginação. Inovação! Esta é a palavra chave no que toca a cooperação nos nossos dias.
Esta semana, em concreto dia 24 de Abril, decorreu em Bruxelas um workshop organizado pela Comissão Europeia sobre a iniciativa “Digital 4 Development”. Em resumo esta iniciativa agrega diferentes atores do setor público (em concreto Agências de cooperação europeias) e atores do setor privado, nomeadamente empresas de comunicações e outros grupos económicos que vêm as iniciativas de cooperação como uma ferramenta para fomentar (ou se quisermos) formatar os mercados emergentes, designadamente os de África.
A discussão centrou-se na forma como a Digitalização das economias pode contribuir para o desenvolvimento dos Países Africanos e em concreto cumprir com os SDG das Nações Unidas e, naturalmente, a importância das comunicações para este desiderato.
Das diversas conclusões que se retiraram da reunião, houve uma que foi muito clara: os modelos de cooperação mudaram radicalmente e estão alinhados com esta vaga de digitalização e criação de ecossistemas de promoção do empreendedorismo e, naturalmente, muito ancorados nas questões de conectividade e ICT.
Transversalmente, rigorosamente, todas as Agências de Cooperação presentes apresentaram modelos mistos de cooperação entre setor publico e privado, sendo este último dominado por fundos de capital de risco e de investimento. Em suma fazem a ponte para África adaptando os modelos que bem conhecemos na Europa de apoio ao empreendedorismo e criação de ecossistemas de start ups. O mercado Africano é visto como a grande aposta de futuro e a Europa não vai deixar esta oportunidade nas mãos da China.
Em Portugal, pelo que que me dá a perceber, a nossa Secretária de Estado está a tentar agitar as águas e despertar os diferentes agentes para esta realidade. Nos últimos anos desenvolvemos um extraordinário ecossistema de empreendedorismo, criamos um verdadeiro cluster de atração de empresas jovens, de aceleração de ideias e conceitos, mas ficamo-nos por aqui. A par disto, a cooperação investiu (e bem) milhões de euros em formação em Português nos países da CPLP, assegurando a continuidade do verdadeiro elo de ligação entre a Comunidade – a língua.
A nossa política de cooperação ainda vive da longínqua “nova visão estratégica para a cooperação” lançada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral (sim… do primeiro governo de José Sócrates) e do secretário de Estado João Cravinho. Foi atualizada para o período 2014-2020, contudo o documento que a fundamenta não é mais do que um bom trabalho académico, sem efeitos práticos e totalmente desfasado da realidade global e digital que vivemos, continuando a apostar num conceito obsoleto de cluster.
Seria bom que olhássemos para os exemplos que temos na Europa e tirar partido do que de bom fizemos em Portugal, conjugando com as enormes potencialidades dos Países da CPLP. Ajudando-os a desenvolver os seus ecossistemas empresariais, apontando para a promoção do empreendedorismo e a criação de PME que contribuam para o desenvolvimento económico daqueles países.
Seria importante que no próximo ciclo governativo se repensasse o modelo de cooperação, apostando claramente no digital como ferramenta para o desenvolvimento.
Escreve à quinta-feira