1. São tantas as notícias à volta de abusos e corrupção por parte de gente que deveria dar o exemplo que não espanta o descrédito em que a democracia cai junto de largos segmentos da população. Os casos que se vão conhecendo vêm do passado, mas nada garante que hoje não estejam outros em curso. Como consequência, os banqueiros, altos dirigentes de empresas e políticos estão fortemente desacreditados.
Seja lá a tipificação judicial que se der aos 15 mil euros por mês que Manuel Pinho recebia enquanto era ministro de Sócrates, funções que só deixou depois de ter feito uns corninhos a um deputado em plena Assembleia da República (coisa pouca face ao resto que agora se sabe), a verdade é que é a primeira vez que se descobre uma situação num governante em funções. E lá está mais uma vez envolvido o sinistro Ricardo Salgado. O que não se percebe é que, no estado atual das coisas e passado tanto tempo, ninguém tenha passado um dia que seja de detenção por causa dos casos BES/GES.
Podem dizer que a justiça de Joana Marques Vidal é melhor que a de Pinto Monteiro, mas em termos práticos é rigorosamente a mesma coisa: muita parra e pouca uva.
2. A gestão de Santana Lopes na Santa Casa foi objeto de uma auditoria mandada fazer ainda por Mota Soares. Foi um tema sobre o qual muito se sussurrou nos bastidores da política, não faltando quem assegurasse que foi por isso que ele não avançou para a Câmara de Lisboa, apesar de ser hiperfavorito. A tal auditoria foi sempre uma coisa misteriosa. Sabe-se agora que terá sido lenta e gerida politicamente pelo inenarrável Vieira da Silva, em mais uma das suas peripécias. A notícia foi dada no “Público”, mas focou sobretudo as voltas do documento. Quanto à substância da gestão, pouco ou nada o matutino adiantou. Ou seja, não soubemos o essencial: afinal, há ou não situações graves ocorridas no tempo de Santana?
3. Depois de uma análise serena e fria (por isso não se abordou aqui o tema na semana passada), não há que ver: Carlos César e outros deputados açorianos que recebem duplos subsídios para ir (e até quando não vão) aos Açores incorrem numa prática eticamente inaceitável e de duvidosa legalidade. Ferro Rodrigues deu-lhes uma vergonhosa cobertura e o secretário-geral da Assembleia, Albino Soares, fez um parecer que justifica uma prática que vem desde 1989. Mas a realidade manda dizer que os deputados envolvidos deveriam sofrer consequências políticas. Por uma simples questão de morada no Continente, Barreiras Duarte foi cilindrado pelos média, reforçando o seu linchamento público.
4. O “Diário de Notícias” caminha lenta mas seguramente para o abismo. Apesar das qualidades profissionais dos sucessivos diretores, a opção por escolhas internas ao grupo não permitiu um refrescante relançamento do jornal, cuja direção Sousa Tavares terá declinado, segundo Marques Mendes. Alguém de fora teria mais potencial de êxito, desde que conseguisse impor uma boa prática jornalística. Pode ser que Ferreira Fernandes faça um milagre, apesar da fátua lançada sobre ele pelo aiatola de Alcântara, João Miguel Tavares. Mas é legítimo duvidar. O “DN” está cinzento e condicionado, o que não resulta só da fragilidade geral da imprensa, do advento das redes sociais e da informação gratuita. Vai-se safando com umas cachas à volta de uns estudos que ali são plantados e depois copiados pelas rádios e TV’s. Na imprensa privada há sempre limites, sobretudo quanto a matérias respeitantes a acionistas. É assim cá ou em qualquer lado do mundo e por isso é necessária pluralidade de órgãos. O “Público” não fala da Sonae. O “CM” não fala de celuloses, a não ser pela rama. O “Expresso” não fala da Impresa e alguns dos seus comentadores nunca referem o escândalo do BPP porque produziram textos publicitários sobre a sua relação com o dinheiro que eram caprichosamente publicados na revista do jornal. O “Observador” é uma agenda política em movimento. O “Sol” e o i são os menos condicionados, mas faltam-lhes meios. Todavia, o que se passa no “DN” é demais, tais são as limitações por via dos interesses múltiplos de quem, em última instância, manda no jornal. Não há jornalismo bacteriologicamente puro no setor privado. Na comunicação social do Estado é onde ainda há condições materiais para fazer qualquer coisa de jeito, mas aí intervém uma excessiva lógica política e, sobretudo, uma grande preguiça seguidista. Mas mesmo tendo em conta estas realidades, custa ver o “DN” a esvair-se, temendo-se que outros possam ter o mesmo destino.
5. “Portugal à Lei da Bala” é a terceira obra dos jornalistas António Luís Marinho e Mário Carneiro. Desta vez, o tema tratado é o terrorismo e a violência política em Portugal no séc. xx. O livro é notável, situando os casos e ilustrando-os com recurso a jornais e escritos da época. Depois de ler, é difícil acreditar na ideia de que somos um povo de brandos costumes. Em poucos anos foram assassinados um rei, um príncipe, um Presidente e um ex-chefe de governo. Os dois jornalistas já tinham assinado “1974 – O Ano Que Começou em Abril” e “1975 – O Ano Que Terminou em Novembro”, documentos essenciais para se perceber e/ou relembrar os primeiros tempos da revolução, até ao inicio da chamada normalização democrática. Tudo boas leituras para esta época de efeméride.
Jornalista