Celeste Rodrigues. “Se não cantasse já cá não estava”

Celeste Rodrigues. “Se não cantasse já cá não estava”


Em energia, Celeste Rodrigues está para o fado como Manoel de Oliveira esteve para o cinema. Sobre Madonna, não fala. “É particular”, responde. A 11 de maio, aos 95 anos, faz 73 anos de carreira, mas do passado só sente saudades do futuro.


Que significado tem esta noite?

É uma noite para juntar todos os amigos. Bem, todos não porque tenho mais público e amigos (ri-se). É uma reunião. Não sei quanto tempo duro mais. Convidei a Katia Guerreiro, Fábia Rebordão, Jorge Fernando, Hélder Moutinho, Duarte e Teresinha Landeiro. Não pude convidar toda a gente senão o espetáculo morria antes de mim (ri-se).

Ainda sente um frio na barriga quando sobe ao palco?

Não da mesma maneira. São muitos anos a subir ao palco e uma pessoa habitua-se. Nos primeiros anos é que as pernas tremiam. Há sempre a responsabilidade me enganar ou esquecer mas aquele nervoooooo já não sinto. Sinto medo que a coisa não corra bem mas já é um medo diferente. É responsabilidade. A gente também confia no público. Da primeira vez, não queria entrar. Fui empurrada. Sou uma pessoa tímida. 

Tem 73 anos de carreira e muitas histórias para contar. Recorda alguma?

Agora, estou à espera de outras histórias (ri-se). Cada espetáculo é mais uma história. É bonito chegar a esta idade e ainda ter um bocadinho de voz para cantar. Ficava muito triste se não tivesse. 

O seu bisneto vai acompanhá-la à guitarra?

O meu Gaspar. Claro! O meu bisneto aprendeu a tocar por minha causa. 

Como é que se sente nesta fase da vida? 

Estou sempre bem desde que esteja a cantar. Sinto-me ótima. Cantar faz uma pessoa ter vontade de sair, arranjar-se, ir à rua. Faz-me sentir viva. Se não cantasse, já cá não estava. 

Tem saudades de quê?

Daquilo que ainda não vivi. O que vivi, já está. Está respondido? (gargalhada)

Vai continuar?

A cantar? Olha… Felizmente, ainda canto aos 95 anos. É caso único. Ninguém canta aos 95 anos sem se enganar (bate com a mão na mesa). 

E gravar?

Sou muito mandriona. Uma pessoa está sozinha em estúdio. Não há público nem a mesma entrega. Não há aquele prazer do palco ou das casas de fado. Não vemos a expressão do público.

Pode gravar os concertos.

Nunca deixam, não é? [o neto Diogo Varela Silva interrompe para dizer que “este talvez seja gravado”]

O fado foi reconhecido como Património da Humanidade. O que é que isso trouxe ao fado?

Acho que não trouxe nada a não ser o reconhecimento do valor que o fado já tinha. 

Olha para as novidades que o fado tem trazido?

Gosto de todas as músicas. Gosto dos Beatles. Do David Bowie. 

Como é que olha para as novas gerações?

Estes jovens têm os mesmos problemas que tive quando comecei. Quando se é novo, não se sente as coisas da mesma maneira porque não se viveu. A maturidade adquire-se. Muitos têm vozes lindas mas ainda lhes falta isso. Alguns crescem mais depressa que outros… eu cresci muito depressa. É difícil porque o fado quase não tem música. Cada um improvisa à sua maneira. O valor do fado está no sentimento. Há quem sinta e há quem não sinta. Há muita gente que canta porque a voz é bonita mas não é só isso que conta. Por isso é que no fado vale mais a palavra. 
 

Ainda tem sonhos?

Sonhos?! Não faço outra coisa que não seja sonhar. Acordada. A dormir, não gosto de sonhar. Ainda sonho que vou andar cá mais dez anos. E sonho alto. 

Quais foram os momentos mais importantes da sua carreira?

Todos. Não sou vedeta. Nunca tive assimmmmmmm… as pessoas batem-me palmas e esses é que são os momentos de reconhecimento. 

Sempre quis ser fadista?

Nunca! Eu e a minha irmã começámos a cantar foi folclore da beira. Ninguém queria ser fadista, agora é que é assim. Antes, era muito difícil porque não se podia cantar sem ter contrato, carteira profissional… agora toda a gente canta.  Não podíamos cantar repertório dos outros. Era mais difícil antigamente do que hoje. Hoje, cantam-se os êxitos. E a Internet também faz o fado chegar mais depressa às pessoas. No meu tempo, era o público que fazia os artistas.  

Passou pelo teatro. 

Sim, no Brasil. Fiz uma opereta e uma revista mas tenho muito respeito pelos artistas e acho que não sei representar. É preciso saber. Cantar, canto como sinto mas representar não sei. Não quis ir para o teatro e cinema também não queria. Agora, já não me importo. É como ter rugas. Para mim, não são rugas, é vivência. Se não as tivesse, já tinha morrido.  

O que é que a faz sair de casa para ir a uma casa de fado?

Gostar de viver e gostar de fado. Estar nas casas de fado é como estar na minha. Conheço as pessoas todas, os colegas todos… entra um, estamos ali na conversa, ri-se. Estar em casa não. Às vezes, dizem-me para ter cuidado que está frio. Quero lá saber que esteja frio. 

Continua a cantar nas casas de fado?

Continuo. Às quartas na Mesa de Frades. No Luso às sextas e sábados há 14 anos. Cantava no Bacalhau de Molho mas fui para Nova Iorque três meses e esqueci-me de avisar (ri-se). E canto no Fado Menor às quintas. Ainda faltam dois dias [para ocupar] (ri-se). 

Como é que foi o encontro com a Madonna?

Ui, lá vem a pergunta. Não sei. Não respondo porque é como se estivesse a fazer propaganda. Nunca liguei à fama e não é agora depois de velha que vou aproveitar uma coisa simpática. É particular.

Como é que gostava de ser perpetuada?

Não me interessa. Quero é ser lembrada em vida (ri-se).

Declarações recolhidas em mesa redonda