A tradição lusitana das coligações entre partidos políticos, quer pré-eleitorais quer pós-eleitorais, ainda que com grande variedade (por ordem cronológica: PS-CDS, APU, PSD-CDS-PPM, PS-ASDI-UEDS, CDU, PS-PSD, PSD-CDS), sofria de uma limitação fundamental, o tabu da coligação de esquerda com partidos duradouros. As duas excepções não respeitam a pureza da taxonomia. A FRS foi uma coligação de esquerda mas com rápida absorção pelo PS dos outros dois coligados, ASDI e UEDS. A APU/CDU, quer na versão PCP-MDP/CDE-PEV (este a partir de 1983) quer na versão PCP-PEV (sem esquecer os independentes da Intervenção Democrática, uma dissidência do MDP/CDE), também não passa no teste da pureza da taxonomia da coligação, por não reunir partidos que individualmente obtivessem representação parlamentar (com a excepção do MDP/CDE, que elegeu sozinho cinco deputados à Assembleia Constituinte). A coligação nominal mais à esquerda serve para formar, de forma artificial, um segundo grupo parlamentar (o do PEV) e multiplicar por dois as ferramentas parlamentares.
A coligação pós-eleitoral celebrada no final de 2015 entre PS, Bloco, PCP e PEV enterrou o tabu da impossibilidade de uma verdadeira coligação à esquerda. Mas terá a sido, na sua abrangência, a primeira e a última. O PCP já percebeu nas eleições autárquicas os perigos da atracção gravitacional entre massas distintas. O perigo do abraço de urso por parte do parceiro sénior da coligação não asfixiará o PCP, muito por mérito da fidelidade do seu eleitorado (e do aumento da abstenção, que premeia os fiéis votantes no PCP). Já o Bloco parece disposto a correr o risco de perder eleitores para o PS em 2019, na esperança de que a sangria não seja suficientemente grande para oferecer uma maioria absoluta aos socialistas.
Na teoria geral das coligações há, nalguns outros Estados da União Europeia, o tabu das coligações à direita, sobretudo se incluem partidos de extrema-direita nacionalista e populista. A vaga de populismo nacionalista de direita deu origem a duas realidades. Nalguns Estados, a força do voto (e os prémios à maioria existentes em vários sistemas eleitorais) permitiu a estes partidos chegar ao governo sem necessidade de coligações (o exemplo máximo é a Hungria). Noutros, os partidos populistas foram objecto de um cordão sanitário por parte dos partidos tradicionais. Assim aconteceu com a Frente Nacional em França e com a AfD na Alemanha.
Não se materializou ainda um cenário de geringonça de direita, populista e nacionalista, com uma coligação entre partidos políticos de diferentes origens e representando diferentes interesses, mas unidos na defesa de um programa patrioteiro e de direita. Um governo que, em Itália, tivesse o apoio do Movimento 5 Estrelas (M5S, mais à esquerda), da Liga Norte e da Força Itália de Berlusconi pareceria saído da lojinha dos horrores políticos. Provocaria o terror nos mercados financeiros, onde há muito se espera o afundamento do sistema bancário italiano. Duraria pouco, dado o choque de egos entre os respectivos líderes (Beppe Grillo/Di Maio, Salvini, Berlusconi), choque que tem prolongado ad nauseam as negociações para a formação de um governo.
Uma geringonça de direita, made in Italy, seria também a vacina que alguns esperam há muito. Uma vacina que faria regredir os vírus extremistas, populistas e nacionalistas e retiraria expressão parlamentar aos movimentos populares de protesto inorgânico, os que tornaram o M5S o partido mais votado nas últimas eleições italianas.
Se o efeito de vacina não funcionar, há o perigo da normalização do populismo decorrente da ocupação do poder.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990