Há quem acredite que é coisa do destino.
Há quem veja nas estrelas o futuro.
E depois há os que, perante as evidências dos sinais, anteveem a facilidade com que as coisas acontecem, sem as exaltações, movimentações e afins de outros tempos não muito remotos. São as circunstâncias, dirão os pragmáticos. É um padrão de comportamento gelatinoso, dirão outros. A coerência política é um bem escasso.
Não foram precisas mezinhas ou leitura de cartas.
Bastava constatar todo um passado de convergências convenientes para se saber que o bloco central temático de Costa e Rio seria uma inevitabilidade. Agora, como na reorganização das freguesias de Lisboa com o beneplácito do PSD, está feita uma amarração estratégica que, feita por outros, seria uma cedência inqualificável. Com esta autoria, será um exercício de visão e de sentido de Estado sem paralelo.
A verdade é que a descentralização de competências e meios do poder central para as autarquias era uma prioridade política e um pilar da reforma do Estado em 2015 e vamos chegar a 2019 sem que exista tradução real palpável no território dessa prioridade política. E será ainda mais assim se, à semelhança da enunciada prioridade política da “valorização do Interior”, com nomeação de equipa de missão em 2015, não tivermos nenhuma tradução prática no Orçamento do Estado ou ela for diferida para o quadro comunitário pós-2020. Uma espécie de descentralização em fascículos não serve o objetivo de concretizar as soluções de proximidade de que as pessoas e os territórios estão a precisar.
A verdade é que com Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português enleados na teia da solução governativa, apesar das estoicas verbalizações de desconformidade, António Costa concretiza a desejada amarração do PSD em questões de futuro. De uma virada, reafirma a centralidade de um PS com disponibilidade para ir à esquerda ou à direita em busca de apoios políticos, fazendo agora um acordo político estratégico que, por ausência de vontade política do PSD para ceder em algumas questões e por efervescência extemporânea de alguns socialistas – agora calados –, podia ter sido feito em 2013, mitigando a austeridade e antecipando a realização de eleições legislativas para junho de 2014. As questões concretas são diferentes, o sentido político era o mesmo.
É o poder, dirão alguns. É o vale-tudo do exercício de sobrevivência política que, por ausência de oposição, amarração da esquerda governativa e circunstâncias favoráveis, se converte numa espécie de abuso de posição dominante, com a anuência do PSD, perante as negas do BE e do PCP. Os autarcas do PCP abominam competências que são prioritariamente do poder central; por regra, pagam as populações, que assistem ao sublinhar dos problemas em vez de terem soluções. O PCP nunca validaria um processo de descentralização de competências contrário aos seus preconceitos ideológicos. O BE, sem existência autárquica relevante, embora mande em Lisboa, prefere que os recursos financeiros sejam direcionados para nichos do mercado eleitoral, em vez de respostas de proximidade e de coesão territorial.
Feita a amarração do PSD de Rui Rio para a descentralização de competências para as autarquias e para o quadro de referência dos fundos comunitários pós-2020, curiosamente, pela parte do PSD, com a participação do mesmo Castro Almeida que enleou a execução inicial do Portugal 2020, proporciona-se ao PSD uma foto de sentido de Estado a troco de um egocentrismo político do PS, que deve modelar as erupções reivindicativas do BE e do PCP e manter em suspenso a possibilidade de viabilização do Orçamento do Estado para 2019 pelo atual PSD, em socorro da estabilidade política perante os desvarios.
No final, o que importa são as pessoas e os territórios. Saber se a prioridade da “valorização do Interior” como oportunidade, como meio de “ataque” ao mercado ibérico de 60 milhões de pessoas, tem efetiva tradução orçamental e na programação dos fundos ou se os recursos vão continuar a servir para os nichos reivindicativos, enquanto se continuam a acumular passivos de inação em todo o território, na saúde, na educação, nas infraestruturas e na ausência de discriminações positivas que contribuam para inverter a desertificação. Saber se persistirá a deriva de reduzir a “valorização do Interior” ao esforço de resposta à emergência dos territórios afetados pelos incêndios, projetando nos outros apenas impulsos mais ou menos simbólicos. Mais do que boiar à tona, este deve ser um tempo para dar sinais efetivos de que as prioridades com os territórios e as pessoas que neles vivem são para serem levadas a sério. Não se poderão resolver todos os problemas e passivos de um dia para o outro, mas o caminho tem de começar a ser feito. Se servir para essa estabilização dos passos concretos, a amarração do PSD já serviu para alguma coisa, além de aditivar o posicionamento político do PS.
Notas finais
PARECE QUE É BRUXO A divulgação de vídeos de um interrogatório judicial é mais um passo numa escalada de degradação do sistema judicial incompatível com um Estado de direito democrático. Quem não se dá ao respeito não é respeitado. Quando essa gentinha das fugas de informação e da violação do segredo de justiça tomar consciência do que fizeram à justiça em Portugal, já será tarde. A partir de agora, em interrogatório judicial tem de se pedir maquilhadora e saber o posicionamento das câmaras. Esta gente não se toca.
VIDENTES Parece que o deputado do BE que quis dar um sinal de compromisso ético no caso das viagens já estava, afinal, de partida para as ilhas, antes do episódio mediático. Também parece que o embaixador de Portugal na Rússia alegadamente chamado a Lisboa na sequência da crise diplomática entre o Reino Unido e a federação de Putin já cá estava em gozo de período pascal. É uma evidência que discernir a realidade está cada vez mais difícil.
Escreve à quinta-feira