E a internet? Vamos regular?


Neste campo, permitam-me fazer referência ao Brasil, que incansavelmente se tem batido por uma internet mais transparente, aberta e assente num modelo de governação partilhada por várias entidades


Quem tem vida ativa, ou bastante ativa, nas redes sociais deve, ou devia, ter visto a audição de Mark Zuckerberg no Senado norte-americano. De entre as muitas interrogações que deixou no ar, houve uma que não me passou despercebida: talvez a internet tenha de ser regulada!

Foi esta a conclusão do Sr. Facebook que, na minha opinião, abrirá a caixa de Pandora. A verdade é que, quer queiramos quer não, desde que apareceram os OTT e os social media que a nossa vida é escrutinada ao detalhe. Desejos, rotinas, hábitos e comportamentos são observados, guardados, e potenciam tendências que depois nos entram pelas caixas de correio, motores de busca e redes sociais adentro.

Aos poucos, sem que grande parte da população se aperceba, estes atores do setor das TIC têm vindo a canibalizar todos os setores da economia e preparam-se para controlar o futuro das comunicações tal como as conhecemos agora.

A base da internet e das comunicações eletrónicas em geral são as infraestruturas de rede que, de forma bastante resumida, se dividem em três categorias: terrestres, espaciais e submarinas. Até hoje, os operadores tradicionais dominavam claramente, pelo menos, duas delas (as terrestres e as submarinas); contudo, essa realidade tem vindo a alterar–se.

A nível terrestre, os investimentos em infraestruturas são condicionados pela pressão dos OTT e social media para que permitam acompanhar a oferta dos seus serviços. Hoje, já não é possível desagregar a oferta de serviços eliminando os dados e as necessidades de largura de banda são cada vez maiores, o que implica mais investimento. Neste quadro, a título de exemplo, embora estejamos ainda longe de atingir a plenitude de capacidade do 4G, a pressão dos OTT para o investimento em 5G é enorme – em bom rigor, aqui com uma ajuda dos vendors, que já estão preparados para colocar no mercado os seus equipamentos.

Neste campo, não só a capacidade é ainda suficiente como as demandas de IoT ou M2M não justificam ainda qualquer investimento. Temo que se empurrem os operadores tradicionais para um beco sem saída, com as consequentes degradações de qualidade de serviço e preços desadequados para a maioria da população.

A nível submarino, se não me falha a memória, até ao ano passado não havia nem OTT nem social media envolvidos diretamente no negócio dos cabos submarinos. Em 2017, Google e Facebook (pelo menos estas duas) entraram neste negócio com investimentos consideráveis e atentos ao facto de que grande parte dos cabos que existem hoje terão de ser substituídos ao longo dos próximos dez a 20 anos. Ou seja, controlam indiretamente as infraestruturas terrestres por intermédio das pressões que colocam no mercado e posicionam-se estrategicamente para controlar as submarinas num futuro próximo.

A par disto têm canalizado avolumados investimentos para investigação e lançamento de novas infraestruturas de redes como sejam aviões não pilotados (o Aquila, Drone da Facebook), os balões de ar (o Projeto Loon da Google) ou satélites (o SpaceX de Elon Musk). 

A questão é séria e governos e reguladores devem estar atentos aos desenvolvimentos destas temáticas a nível internacional. A afirmação de Zuckerberg vai gerar muito ruído nos principais fóruns internacionais onde se discute o modelo de governação da internet. Seja na UIT seja no IGF, o tema vai aquecer e muito. As perguntas serão muitas, mas há duas que, à cabeça, me parecem incontornáveis: desde logo, deve a internet ser regulada ou não? E como passamos o sistema de governação da internet de um regime privado (ICANN) para um modelo público ou multi-stakeholder?

O tema já estava em discussão há muito tempo, mas acho que com as declarações do gigante americano vai aquecer muito nos próximos tempos. Para Portugal, esta não é uma questão de somenos importância! Um país que apostou tanto nos últimos anos em tecnologia como nós, em que uma boa parte do investimento foi canalizado para empresas de base tecnológica cujo acesso à internet é a sua principal base de sucesso e desenvolvimento, não pode ficar especado a olhar para o que vai acontecer.

Neste campo, permitam-me fazer referência ao Brasil, que incansavelmente se tem batido por uma internet mais transparente, aberta e assente num modelo de governação partilhada por várias entidades. Veremos se irá ser regulada ou não, mas uma coisa é certa: o acesso às comunicações é um direito fundamental e, como tal, não deverá ser passível de desregulação.

Escreve à quinta-feira