Só dois primeiros-ministros em Portugal conseguiram maiorias absolutas: chamavam-se Aníbal Cavaco Silva e José Sócrates. Foram tempos diferentes com uma coisa em comum: uma esplêndida arrogância, autossuficiência, desejo de controlo de quase tudo o que escapava às malhas do poder.
Mais ninguém conseguiu maiorias absolutas. Mário Soares, o fundador da democracia portuguesa, nunca teve nenhuma. Foi sempre obrigado a negociar, como aconteceu com António Guterres, Durão Barroso e Pedro Passos Coelho. Agora, o PS de Costa, que conseguiu miraculosamente ser governo sem ter ficado em primeiro lugar nas eleições, por via dos acordos com PCP e Bloco de Esquerda, percebeu que existe uma margem para captar o eleitorado moderado que eventualmente não se deixe contagiar pelo entusiasmo de Rui Rio.
Nos últimos dias temos assistido à dupla Centeno/Costa com um discurso quase mais ortodoxo em matéria de finanças públicas do que aquele defendido por vários apoiantes de Rui Rio. O texto que o ministro Augusto Santos Silva publicou na edição do “Público” de ontem, na sua condição de militante socialista, é um tratado sobre estes novos tempos. Já não bastava a dificuldade que Bloco e PCP têm de passar a sua mensagem de que algumas das mudanças que aconteceram são devidas ao acordo de esquerda. Augusto Santos Silva, mostrando que a sua capacidade de “malhar” não se confina à direita, mas também se estende à esquerda que o tornou ministro, veio lembrar que “o governo é do PS e é do PS o seu programa”, apesar dos “ajustamentos”.
“A matriz é, evidentemente, do PS em todos os compromissos fundamentais” e “os resultados estão à vista”. Venha a maioria absoluta: “O PS pedirá ao eleitorado o reforço da sua influência (…) Quanto mais força tiver o PS, melhor o conseguirá (…) O PS há de pugnar pelo melhor resultado eleitoral possível”, afirma Santos Silva, que também diz que respeita “os companheiros de jornada” e gostaria de “renovar os acordos de esquerda”. Mas essa conversa é, agora, com o centro disponível, para inglês ver.