Retrospetivas…


Para mal dos nossos pecados, Centeno resolveu que o bom é ir além do défice! Não é por acaso que Portugal não fica bem na tabela do Índice de Desenvolvimento Humano


Milton Friedman (1912–2006), economista americano da Escola Monetarista de Chicago, foi talvez o maior teorizador do (neo)liberalismo de que tanto se fala e que, com mais ou menos adaptações, ainda hoje faz escola nos sistemas económicos capitalistas, mormente no seio da União Europeia. Antes de Friedman, já Adam Smith, economista britânico do séc. xviii, tinha elaborado a teoria do liberalismo para contrariar o que considerava excesso de regulamentação do mercantilismo, inspirando a doutrina do “laissez faire, laissez passer”. Aqui está uma brevíssima retrospetiva que pode fazer luz sobre a origem do modelo económico que nos traz cativos e que encontra na crescente globalização, social, política e económica, a alma gémea. Deste desvelado amor nasceram as lógicas neoliberais que enformam as cabeças, e as políticas, dos estrategas do modelo económico europeu – leia-se, sobretudo, do Eurogrupo. Sendo português o presidente, e contrariamente ao que se poderia esperar – melhor dizendo, que até se esperou – da oportunidade de ser empreendida a reforma do sistema defendida pelos países do sul, o Tratado Orçamental continua de pedra e cal, agafanhando a obsessão do défice que contamina tudo: investimento (público), redistribuição, desenvolvimento. Para mal dos nossos pecados, Mário Centeno, o homem em quem se confiava, resolveu que o bom é ir além do défice! Ser mais papista que os papas europeus, as tais regras que garroteiam toda e qualquer possibilidade de verdadeiro desenvolvimento, e não apenas de um condicionado crescimento económico. Não é por acaso que, atualmente, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é usado para comparar, plenamente, as economias mundiais. E Portugal não fica bem na tabela, pois que no último relatório IDH, referente a 2016, estávamos em 41.o lugar no top-50. Mesmo assim, subimos na escala, porque o governo que foi além da troika deixou-nos ainda mais abaixo. Esta mania de “ir além” só nos traz amargos de boca. Se ao menos tivéssemos governantes apaixonados pelos “Lusíadas”, eles saberiam que Camões, no Canto i, quando cantava “as armas e os barões assinalados” que “passaram ainda além da Taprobana”, se referia à lusa “nobre gente” de então: gente valente, não esta apagada e vil tristeza que teima em nos tolher.

Começámos com uma retrospetiva e com outra retrospetiva encerramos: Álvaro Lapa, “No Tempo Todo”, em Serralves, a maior alguma vez dedicada ao autor (1939 Évora–2006 Porto). Do folheto da exposição, magnífica, salta o depoimento de Álvaro Lapa, de 1973, de que retirámos excerto: “Quero dizer, intelectualmente desertor, o que estritamente para mim significa: recuo instintivo ante a forma, quem quer que a imponha, a sugira. A talvez nobre arte da retirada.” Homem de têmpera! Infelizmente, o caráter indómito não terá feito escola entre os decisores que detêm o nosso destino como país. Quiséramos ser nação próspera, mas saiu-nos na rifa o nacional pendor retraído: gente que teima em puxar para trás, obedientemente, sem se atrever à nobre arte da retirada. Insubmissamente! Até quando o “inconseguimento”?!

 

Gestora, Escreve quinzenalmente