Esta é a verdadeira história das bruxas de Salem

Esta é a verdadeira história das bruxas de Salem


Mais de 300 anos depois de tudo ter acontecido, são muitos os que ainda vivem fascinados com o que aconteceu em Salem


As bruxas de Salem inspiraram várias histórias, músicas e filmes. Muitos aproveitaram-se da lenda e ‘acrescentaram um ponto’ a uma história que, só por si, atrai mais atenções do que grande parte dos romances e policiais escritos desde então.

Tudo aconteceu entre os anos de 1692 e 1693, na Província Colonial de Massachusetts, mas a história começou muitos séculos antes. Por volta de 1300, a ‘bruxaria’ começou a ganhar terreno na Europa – muitos cristãos e outros crentes defendiam que o diabo conseguia dar poderes a certas pessoas, permitindo-lhes lançar feitiços contra outros e amaldiçoar quem as rodeava. Vários temiam estas bruxas, outros pediam-lhes auxílio para se vingarem dos seus inimigos.

Numa Europa profundamente devota e temente a Deus, a ideia de certas mulheres serem possuídas pelo Diabo e andarem a espalhar o mal era totalmente inconcebível. Daí que, à mínima suspeita de envolvimento em atos de bruxaria, a condenação à morte era o mais comum. De acordo com a revista do Museu Smithsonian, centenas de pessoas foram queimadas vivas, enforcadas ou executadas.

A história das bruxas de Salem surge quando a perseguição às bruxas começa a desaparecer na Europa, mas as circunstâncias da altura levaram a que o fenómeno da bruxaria ganhasse força nesta região. Com a Guerra do Rei William – as batalhas que foram travadas na América durante a Guerra dos Nove Anos -, muitas zonas foram devastadas e milhares de pessoas foram obrigadas a deixar as suas casas e a refugiarem-se noutras regiões: uma delas foi a vila de Salem, na baía de Massachusetts.

A vinda destes refugiados gerou um clima de desconfiança em Salem – as famílias da terra, que viviam da economia gerada pela baía, não queriam ver-se envolvidas com os que tinham acabado de chegar, que se dedicava principalmente à agricultura, revela o site da publicação do Museu Smithsonian. Para além disso, a nomeação do reverendo Samuel Parris, em 1689, como ministro puritano de Salem, gerou alguma controvérsia – muitos não gostavam do reverendo, descrevendo-o como uma pessoa rígida e avarenta. Os habitantes daquela vila começaram a encarar as mudanças negativas que surgiam nos últimos tempos como uma obra do Diabo e temeram o que ainda estaria para vir…

O que não estavam à espera era que a ‘maldição’ surgisse precisamente no seio da Igreja: em janeiro de 1692, a filha do reverendo Parris, Elizabeth, de 9 anos, e a sua sobrinha, Abigail, de 11, começaram a exibir comportamentos esquisitos. Gritavam, atiravam com vários objetos, faziam sons esquisitos e contorciam-se de uma forma peculiar. O médico daquela região não teve dúvidas: tratava-se de algo sobrenatural. Entretanto, outra menina de 11 anos, chamada Ann Putnam, começou a exibir sintomas semelhantes.

Pressionadas pelos magistrados Jonathan Corwin e John Hathorne, as três raparigas acabaram por apontar o dedo às pessoas que, alegadamente, as tinham enfeitiçado: Tituba, a escrava afro-caribenha do reverendo Parris, Sarah Good, uma mulher sem-abrigo, e Sarah Osborne, uma idosa que vivia na pobreza. As três mulheres foram interrogadas ao longo de vários dias. Osborne e Good declaram-se inocentes, mas Tituba acabou por confessar: “o Diabo apareceu-me e obrigou-me a servi-lo”. Durante o interrogatório, descreveu as imagens de cães negros, gatos encarnados, pássaros amarelos e um homem negro, “que queria que eu assinasse o seu livro”. A escrava disse que existiam outras bruxas ‘à solta’, que tinham como objetivo destruir os puritanos. As três mulheres acabaram por ser detidas.

Começou a caça às bruxas

Com o caos instalado e a paranoia a reinar por aquelas zonas, a caça às bruxas começou: durante meses, o objetivo das autoridades era detetar as bruxas que se escondiam em Salem e destruí-las.

O medo era tal que as acusações começaram a ser disparadas em todas as direções – Martha Corey, uma mulher devota e que se dedicava frequentemente a questões relacionadas com a igreja local, foi acusada pelos magistrados de bruxaria. Essa confissão em particular deixou a comunidade em pânico: se até uma mulher ligada à Igreja era ‘apanhada’ pelo Demónio, ninguém estava a salvo. Outro dos casos que chocou a população foi o de Dorothy, a filha de 4 anos de Sarah Good – após horas de interrogatório e perante as respostas tímidas da criança, as autoridades acabaram por encarar tudo o que disse como uma confissão.

Com a quantidade de acusações que surgiam, foi criado, em maio de 1692, um tribunal especial para tratar destes casos. O primeiro a ser julgado neste tribunal foi, segundo a revista da Smithsonian, o de Bridget Bishop, uma mulher idosa que era conhecida em Salem por ser muito coscuvilheira e promíscua. Quando questionada sobre se tinha alguma vez praticado atos de bruxaria, respondeu que era “tão inocente quanto a criança que ainda não nasceu”. Mesmo assim, foi considerada culpada e foi a primeira mulher a ser enforcada no sítio que ainda hoje é conhecido como Gallows Hill.

Seguiram-se cinco enforcamentos em julho, outros cinco em agosto e oito em setembro. Ao todo, mais de 200 pessoas foram acusadas de bruxaria e 20 foram mesmo executadas.

Sonhos e visões não são provas

Cotton Mather era um respeitado ministro puritano da zona de Nova Inglaterra. Aquando das primeiras condenações, decidiu intervir, enviando uma carta ao tribunal especial na qual pedia que testemunhos relacionados com sonhos e visões não fossem aceites como prova.

O tribunal começou por ignorar este pedido e continuou a condenar vária pessoas à morte. Seguindo as pisadas do seu pai, Increase Mather, o então presidente de Harvard, voltou a apelar ao bom senso, denunciando o uso de sonhos como provas para condenar pessoas. “É preferível deixar escapar 10 pessoas suspeitas de bruxaria do que condenar uma pessoa inocente”, defendeu.

O governador daquela província, William Phipps, acabou por dar ouvidos a Mather: depois de ler as suas cartas e de ver a sua mulher a ser interrogada por suspeitas de bruxaria, Phipps proibiu a detenção de mais pessoas, libertou muitas das que tinham sido acusadas e dissolveu o tribunal especial. Este foi substituído pelo Supremo Tribunal Judiciário, que não permitia o uso de sonhos e visões como provas e apenas condenou três das 56 pessoas suspeitas de bruxaria.

Em maio de 1963, Phipps perdoou todos os que tinham sido detidos por suspeitas de ligação a crimes de bruxaria e a paranoia em torno deste fenómeno acabou por de dissipar. Mas até que esse dia chegasse, 19 pessoas foram enforcadas em Gallows Hill, um homem foi esmagado até à morte por grandes blocos de pedra e dezenas perderam a vida na prisão.

O dia em que os tribunais assumiram o erro

Mais tarde, muitos dos que estiveram envolvidos nos julgamentos de Salem – incluindo magistrados e juízes – confessaram publicamente que tinham errado e assumiram a culpa por dezenas de pessoas terem sido erradamente associadas a atos de bruxaria.

A 14 de janeiro de 1697, o Tribunal Geral de Massachusetts ordenou que, durante um dia, a população jejuasse e dedicasse um dia à introspeção, em memória das vítimas dos julgamentos de Salem.

Mais tarde, em 1702, este tribunal considerou que os julgamentos tinham sido ilegais e, em 1711, o Governo ‘limpou’ os nomes de todos os que tinham sido condenados e atribuiu cerca de 600 libras aos herdeiros das vítimas.

No entanto, de acordo com o Smithsonian, só em 1957 – ou seja, 250 anos depois da tragédia – é que o estado de Massachusetts formalizou um pedido de desculpas aos descendentes das vítimas.