O que fará uma sessão de desktop cinema na programação da Cinemateca Mais ou menos o mesmo que as imagens de entrevistas feitas após a morte de Malcolm X de que o realizador Ken Jacobs se apropriou para a obra a que viria a chamar de “Perfect Film”, em 1986. Ou o regresso de “Pieces and Love all to Hell” (2011), de Dominic Gagnon, cuja primeira parte foi já exibida na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, onde arranca hoje, às 18h, o segundo laboratório do ciclo “O que é o Arquivo?”.
Depois de uma primeira edição a explorar as relações entre arquivo e arte, na Gulbenkian, é agora a Cinemateca a acolher a iniciativa do Arquivo Municipal de Lisboa-Videoteca para três dias de projeções seguidas de conversas com convidados como Manuel Mozos, Susana Sousa Dias ou Jürgen Bock, explorando os pontos de contacto entre o arquivo e o cinema. “Na Cinemateca há um público regular que acho que se vai sentir provocado pelas obras que vamos mostrar nesta sala, que habitualmente não têm lugar nela”, diz Inês Sapeta Dias, programadora da Videoteca.
“As sessões partem sempre de um trabalho concreto e este ano cada uma das sessões é iniciada com uma projeção para depois uma série de convidados problematizarem não só a noção de arquivo mas também a relação que hoje enquanto sociedade temos com o arquivo.” Inês Sapeta Dias refere-se aos arquivos de imagens de cada indivíduo. “Estamos a produzir cada vez mais imagens e, à medida que as vamos produzindo, o seu arquivamento fica cada vez mais dificultado, posto em causa. Queremos sobretudo chamar a atenção para a obsolescência do arquivo.” E para ilustrar a relação que temos enquanto sociedade com o arquivo dá o exemplo do Snapchat. “Comunicamos uns com os outros através de imagens que desaparecem. Mas essa aplicação torna claro aquilo que já está em todas as outras aplicações e todos os outras formas pelas quais comunicamos uns com os outros através das imagens.” Ou mesmo a forma como vivemos os acontecimentos. “Filmamos sem consciência da quantidade de imagens que estamos a acumular.”
Ao longo de três dias de projeções de filmes e de conversas de entrada gratuita sobre os temas apropriação (hoje), arqueologia (do arquivo, claro, amanhã, dia em que é lançado o livro que resultou do laboratório do ano passado, sobre arquivo e arte) e programação (sexta-feira), até o cinema será questionado. “Vamos projetar filmes na fronteira entre cinema e arte contemporânea ou instalação. Vamos fazer perguntas ao próprio cinema.” E o que é hoje o cinema afinal?