Era uma inevitabilidade há meses à espera de ser confirmada – e o que o United tirou, o United devolveu. O Manchester City de Pep Guardiola foi finalmente consagrado campeão inglês este domingo, depois da surpreendente derrota caseira do eterno rival frente ao lanterna-vermelha WBA, e nos festejos houve bandeira portuguesa pela primeira vez em três anos – o próprio Mourinho tinha sido o último luso a consegui-lo, em 2014/15, enquanto treinador do Chelsea.
Bernardo Silva, 23 anos, 31 jogos (12 como titular e 19 como suplente utilizado) e quatro golos. Uma das joias mais reluzentes nascidas na formação do Benfica tornou-se o 14.º futebolista português a subir ao topo daquele que muitos consideram o melhor campeonato do mundo. Ainda à procura do estatuto de indiscutível, o jovem internacional luso foi ainda assim um dos destaques dos citizens em vários jogos nesta caminhada, com destaque para o golo que, na jornada 29, selou o triunfo sobre o Chelsea e a passagem de testemunho.
O choque e a dobradinha
A epopeia triunfal lusitana em terras de sua majestade remonta aos anos 90: faz agora 20 anos que um português celebrou pela primeira vez a conquista de um campeonato em Inglaterra. Com 21 primaveras, Luís Boa Morte foi presença assídua no primeiro Arsenal campeão com Arsène Wenger ao leme: 15 jogos (quatro como titular) colocaram o então prodígio luso na história.
“Fiz parte do lote contratado nesse verão de 1997. Foi chegar, ver e vencer: consegui a dobradinha logo no primeiro ano”, recorda ao i o antigo extremo, lembrando também a conquista da Taça de Inglaterra logo nessa temporada de 97/98. Depois de partilhar a formação entre o Cova da Piedade e o Sporting, Boa Morte havia cumprido a primeira época como sénior no Lourinhanense, na altura a competir na III divisão nacional e clube-satélite dos leões. A mudança para um dos maiores clubes ingleses “foi um choque grande, em todos os sentidos”, admite Boa Morte, revelando felicidade por ser “o pioneiro”.
“Fico sempre contente por ver portugueses a vencer a Premier League. Somos todos produto português. Feliz ou infelizmente, vemos jogadores nacionais a sair cada vez mais cedo para o estrangeiro, por razões óbvias: a cobiça de campeonatos mais competitivos, mas também a procura de melhores condições financeiras. No meu caso, reconheço que tive sorte, mas também a procurei e trabalhei para a ter”, realça o antigo jogador, que viria ainda a deixar o seu nome ligado a alguns dos melhores momentos do Fulham na principal divisão inglesa, passando também por Southampton e West Ham.
Sobre a presente época, Boa Morte não tem dúvidas. “O City dominou por completo. Ningém conseguiu acompanhar o ritmo deles. A luta pela Premier League costuma ser bastante disputada, mas este ano o Guardiola não deixou! Não se via nada assim provavelmente desde os invencíveis de 2004 [Arsenal campeão sem derrotas]”, assume. E para Bernardo Silva, só elogios: “Conseguiu ganhar o seu espaço numa grande equipa, cheia de soluções, onde o único indiscutível é o Ederson. Está de parabéns, a viver um grande momento, ao alcance de poucos, naquele que é para mim o melhor campeonato do mundo. Espero que mantenha a grande forma para nos ajudar no Mundial.”
Mourinho, Ronaldo… e bebé
Depois de Boa Morte em 97/98, foi preciso esperar até ao verão de 2005 para ver festejos portugueses na Premier. A armada lusa do Chelsea comandada por José Mourinho, que aterrou no futebol inglês com o estrondo que se conhece, era composta pelos multi-titulados Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho e Tiago, mas também pelos aspirantes a estrelas Nuno Morais e Filipe Oliveira. Deste lote, só Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho se mantiveram no ano seguinte, recebendo a meio da época a companhia de Maniche.
Por esta altura, a estrela-maior do futebol nacional no século XXI já brilhava intensamente em Inglaterra. Faltava a Cristiano Ronaldo, contudo, um título de campeão para se firmar definitivamente no mais alto patamar da competição. Acabou por consegui-lo em 2006/07, repetindo o gosto nas duas temporadas seguintes – aqui já com a companhia de Nani, outro produto de Alcochete.
Mas ainda havia uma palavra a ser dita pela legião portuguesa do Chelsea, agora já sem Mourinho, ainda com Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho e reforçada com Bosingwa, Deco e Hilário: todos eles foram campeões ingleses em 2009/10. Nani voltou à carga em 2010/11, numa época em que 74 minutos, divididos por duas aparições, permitiram também a Bebé, uma das mais excêntricas aquisições do reinado de Sir Alex Ferguson, considerar-se campeão. Faltava o último fôlego de Fergie – e de Nani, que celebrou em 2012/13 o último de quatro títulos ingleses.
Já sem atletas lusos, José Mourinho voltou a sentir o doce sabor da prata de campeão em 2014/15, na segunda passagem pelo Chelsea. A época passada, refira-se, Eduardo fazia parte do plantel dos blues, campeões sob o comando de Antonio Conte, e até chegou a ir ao banco nalgumas ocasiões, mas nunca teve a oportunidade de entrar em campo. Agora, foi Bernardo Silva a devolver a alegria lusa a um campeão inglês.