Independentemente do juízo que se possa ter sobre a intenção, a substância e a forma do processo contra Lula, o importante é saber tirar lições de tudo o que se passou.
De um lado, a nível político e relativamente ao comportamento de todos os democratas a quem compete desempenhar funções de poder. O dinheiro age encantatoriamente como as sereias e, também como elas, trai e mata depois os já inúteis deslumbrados que se deixaram seduzir mas, verdadeiramente, não pertencem à família dos que o têm.
De outro, ao nível da reforma do Estado: tão ou mais importante do que combater a posteriori a corrupção é criar mecanismos de controlo prévio que a dificultem e imponham transparência aos negócios do Estado.
Está visto que a chamada autorregulação dos setores e atividades económicas é pouco eficaz, pelo menos quando se trata de negociar com dinheiros públicos.
Aqui pode ter uma importância acrescida a jurisdição dos Tribunais de Contas, se dotados estes de competências legais suficientes para analisarem a legalidade substancial e formal dos contratos públicos antes da sua formalização e concretização, e ainda se lhes for cometida uma efetiva incumbência do controlo concomitante da sua execução.
De outro ainda, a nível da formação (política e jurídica) de juízes e procuradores: em processo penal não pode valer tudo; a verdade que se quer apurar num processo judicial obedece a regras, princípios e valores, por vezes mais importantes do que a realidade que se persegue.
A relevância da luta contra o terrorismo e a corrupção, se se justifica dadas as suas devastadoras consequências sociais, não pode legitimar a obnubilação daqueles princípios e valores, pois são precisamente eles que fundamentam a superioridade moral dos que a travam no quadro do Estado de direito.
O populismo pode ter também uma feição judiciária e é necessário evitar que isso possa acontecer, pois, além do mais, esta vem envolta numa muitas vezes enganadora e, por isso, perigosa aura de neutralidade que escamoteia a sua real intenção política.
Em todo o processo de Lula e independentemente da revisão crítica do juízo sobre a suficiência da prova que fundamentou a sua condenação – e a que seria importante proceder com transparência -, ocorreram, de facto, episódios formais verdadeiramente inexplicáveis entre nós.
Não se entende como Lula, tendo sido condenado primeiramente a nove anos de prisão, depois de recorrer, ao que julgo sem recurso paralelo do MP, tenha sido condenado a 12: o sistema penal brasileiro não conhece a proibição da reformatio in pejus?
Outro aspeto: como pôde o juiz Moro ter sido ao mesmo tempo juiz de instrução e de julgamento?
Quanto à prisão antes do trânsito da sentença condenatória: na Europa pode existir prisão preventiva para evitar a continuação da atividade criminosa, a interferência na investigação e ainda se houver perigo de fuga, mas os prazos são limitados e este tipo de prisão, mesmo que desconte na pena, não se confunde com ela.
Lembro-me de ter dito a alguns amigos brasileiros, da última vez que estivemos juntos nesse país, que me parecia que uma das principais reformas de que a justiça brasileira carecia era a do Código de Processo Penal: os factos parecem confirmar essa minha opinião.
Portugal tem, felizmente – diga-se o que se disser -, um sistema legal e judiciário muito mais garantístico e não é por isso que não se desenvolvem investigações incisivas e com sucesso.
Saibamos preservá-lo para evitar males maiores.