A origem checa de Milos Forman e o quadro familiar em que cresceu – passou grande parte da infância num internato para órfãos depois de os pais terem morrido no campo de concentração de Auschwitz, quando tinha 9 anos, tendo assistido ao extermínio da mãe Anna Suabova, e do homem que então julgava ser o seu pai, Rudolf Forman – não impediram altos voos.
Criado por pais adotivos, concluiu o curso de Cinema da Universidade de Praga e não perdeu tempo. Iniciou de pronto uma carreira brilhante. Primeiro como ator e argumentista e só depois como realizador. Começou em 1963 com “O Ás de Espadas” e ao segundo filme estava a vencer o Óscar de Melhor Realizador Estrangeiro com a comédia “Os Amores Duma Loura”. Forman integrava uma nova vaga de cineastas checos com Vera Chytilová, Jiri Menzel e Ivan Passer, entre outros. Viria a bisar o prémio em 1968 com “O Baile dos Bombeiros”.
Com a invasão das tropas soviéticas sobre Praga, refugia-se em Paris mas é nos EUA que há-de conhecer a glória. onde realiza, em 1971, o seu primeiro filme em língua inglesa “Taking Off”. Um fracasso total de bilheteira que, como Milos Forman haveria de revelar mais tarde, levou a que o realizador ficasse a dever 500 dólares à produtora Universal Pictures.
Participa no documentário sobre os Jogos Olímpicos de Munique: “Vencedores e Vencidos” e em 1975 ganha direito à imortalidade com “Voando Sobre um Ninho de Cucos”. Há um antes e um depois de o filme que o atira para a vanguarda do cinema americano. O clássico baseia-se no romance de Ken Kesey – autor de referência da contracultura, que relata a passagem por um hospital psiquiática durante 27 anos. Michael Douglas foi o produtor e Jack Nicholson brilhou como protagonista da adaptação.
Com 5 Óscares nas categorias principais (melhor filme, realizador, ator e atriz, e argumento adaptado), em nove possíveis, o que não acontecia desde “Uma Noite Aconteceu” de Frank Capra em 1934, ganhou o direito à sua estrela em Hollywood. E por isso a morte de Milos Forman é tão simbólica.
“A sua partida foi tranquila e esteve o tempo todo rodeado pela família e amigos”, informou a mulher, Martina. A morte tranquila e pacífica de um realizador inquietante, caçador de personagens perturbadas e desencontradas da norma. Anónimas ou jubiladas como O Amadeus Mozart de Tom Hulce, a “turma” liderada por Jack Nicholson, o Larry Flynt de Woody Harrelson, e o Andy Kaufman de Jim Carrey.
Em todas elas prevaleceu o olhar humanista e compreensivo, procurando explicações para a rebeldia de todos. Forman abriu a porta do cinema clássico a essa ideia permanente de confronto e violação do habitual.
A sequência do musical “Hair” (1979) e de “Ragtime” (1981) – este sobre as tensões raciais da Nova Iorque do início do século XX – seriam obras de transição para o segundo grande marco da obra. “Amadeus”, em 1984, deu-lhe o segundo Óscar de Melhor Realizador, e logo recebido das mãos de Steven Spielberg. As estatuetas de Melhor Filme, Melhor Ator, Adaptação de Argumento, Direção Artística, Som, Guarda-Roupa e Maquilhagem deram uma expressão maior à vitória de um clássico incorrompível do cinema da segunda metade do século XX. Enquanto “Voando Sobre um Ninho de Cuco” recriava em tensão um ambiente de hiperrealismo, “Amadeus” vivia da perfeição formal.
Por contraste assumido com os filmes de leste sobre compositores, Forman preferiu olhar para a rebeldia de Wolfgang Amadeus Mozart, lutando contra essa normalização da história de querer inventar consensos e paz onde houve choque e violência.
Uma adaptação do romance “As Ligações Perigosas” de Choderlos de Laclos, em “Valmont” (1989), e três biografias visuais, de Larry Flint (1996) e de Andy Kauffman em “Homem na Lua” (1999), – um dos grandes papéis da carreira de Jim Carrey, e uma terceira, o olhar interpretativo de “Os Fantasmas de Goya” (2006) completaram uma trilogia não assumida que não o deixou perder créditos enquanto examinador da condição humana e daqueles que, com o seu modo, tempo e expressão mediática, a reformulam aos olhos do mundo.
Agora, a insubordinação de Milos Forman dá lugar à coreografia da marcha fúnebre e, de seguida, à consternação do silêncio.