O governo português apoiou as ações de guerra dos EUA, França e Reino Unido. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, garantiu que “Portugal compreende as razões e a oportunidade desta intervenção militar”, justificando a ação pela alegada utilização recente de armas químicas, por parte do exército sírio, nos arredores de Damasco. “O regime sírio deve assumir plenamente as suas responsabilidades. É inaceitável o recurso a meios e formas de guerra que a humanidade não pode tolerar”, disse, referindo ainda que o “ataque desta madrugada [sábado] a capacidades de armamento químico da Síria foi conduzido por três países amigos e aliados de Portugal”.
Os mísseis caíram um dia antes de chegarem, à Síria os peritos das Nações Unidas para averiguarem se tinha havido um ataque com armas químicas contra populares numa zona dominada pelos rebeldes próximos da Al-Qaeda. Apesar dos apelos do secretário-geral da ONU, António Guterres, para que nada fosse feito para aumentar a escalada da guerra, EUA, França e Reino Unido dispararam mais de 100 mísseis, destruindo uma universidade e duas instalações militares das tropas do governo de Damasco.
Segundo nos querem fazer crer, o governo sírio, à beira de ganhar a guerra e ocupar a última posição, perto de Damasco, nas mãos dos rebeldes, teria resolvido usar armas químicas de que resultaram a morte de meia centena de civis, para abrir portas a uma intervenção estrangeira contra si. Um ataque tão conveniente para os adversários do governo de Bashar al-Assad como inconveniente para o governo sírio. Um argumento fácil de perceber, mas difícil de chegar à opinião pública, com uma comunicação social tão faminta de armas de destruição maciça, como durante os dias que antecederam a guerra do Iraque.
Foi isso que o general britânico Jonathan Shaw, antigo responsável das Forças Especiais britânicas e que foi comandante das forças multinacionais no sudoeste do Iraque tentou afirmar na emissão da Sky News, mas com pouco sucesso. Quando Shaw estava a dizer que “o debate que falta é sobre o possível motivo que os sírios teriam em lançar um ataque químico nesta altura e nesse lugar?”, acrescentando que tudo lhe parecia muito inverosímil dado que “os sírios estão a ganhar esta guerra, não sou eu que o digo, mas os militares americanos”, juntando “subitamente tem-se este ataque”, foi interrompido pela pivot da emissão que o tirou abruptamente do ar.
Para legitimar os bombardeamentos dos EUA, França e Reino Unido – países que ao abrigo da proclamação de uma zona de restrição aérea, pelas Nações Unidas, fizeram uma campanha militar de bombardeamentos para derrubar o governo Líbio de Muammar Kadhafi e instalar, no seu lugar, uma série de bandos armados fundamentalistas islâmicos, que lhes dariam, no seu entender, a posse do petróleo líbio – os potenciais beligerantes precisam que as suas opiniões públicas não contestem o seu apoio em mais uma tentativa de derrubar um governo de um país com petróleo.
Não é por isso de admirar que quando as bombas caíram, as notícias de alguma comunicação social lusa garantiam, citando erradamente a agência noticiosa Associated Press, que a população síria tinha ido para as ruas de Damasco saudar os mísseis de Trump. Lendo o “telex” original via-se que estava escrito que centenas de sírios tinham ido para a rua para protestar contra o ataque e para festejar a interceção dos mísseis agressores pelas antiaéreas sírias (cerca de 70 mísseis em 100 teriam sido intercetados, segundo declaram fontes militares russas interessadas em dizer isso). A cabeça de alguns jornalistas está tão formatada que não consegue ler a realidade senão pelas lentes da Voz da América.
É esta obediência gerada pelo consenso mediático que permite aceitar como pressuposto que Trump fala verdade sobre a Síria. Um pressuposto que ignora o número infinito de vezes que falta à verdade; e sobretudo ignora que os anteriores presidentes dos Estados Unidos, juntamente com os seus aliados, reunidos na infame cimeira das Lajes, que contou a presença de George W. Bush, José María Aznar e Tony Blair, com a hospedagem, sempre solícita, do então primeiro-ministro português Durão Barroso, nos tinham já garantido numa guerra anterior, que custou mais de um milhão de mortos, que havia armas de destruição maciça no Iraque. E que era por essa razão que EUA e os seus aliados iam invadir um país soberano fora do mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Na primeira manifestação contra a guerra, a então direção do PS – ao contrário de muitos militantes socialistas e de Mário Soares – não se associou aos protestos e o então líder do PS, Eduardo Ferro Rodrigues, chegou até a fazer declarações contra ela, considerando-a antiamericana e que esquecia o caráter ditatorial do regime iraquiano. O impacto que tiveram as manifestações mundiais contra a guerra, fazendo sair para as ruas centenas de milhares de manifestantes em Lisboa e cerca de 20 milhões de pessoas em todo o mundo, fizeram mudar de opinião a direção do PS, que participou numa segunda manifestação. Esta onda de mobilizações mundiais, que tinha sido convocada pela assembleia dos movimentos sociais do Fórum Social Europeu em Florença, foi caracterizada, em editorial do “The New York Times”, como uma “nova potência mundial”. Infelizmente, uma potência que não teve a força para impedir a guerra, baseada em power points mentirosos com fotografias e esquemas de armas de destruição maciça inexistentes, mas tornou mais evidente a mentira.
A escalada militar protagonizada pelo confiável Donald Trump, e acompanhada pelos seus aliados europeus, alguns como o francês Emmanuel Macron e a britânica Theresa May, atascados em problemas internos e a precisar de um “boa” guerra para distrair as hostes, ignoram vários factos para além do martírio do povo sírio, em guerra civil há sete anos, com organizações ligadas à Al-Qaeda, auxiliadas por potências ocidentais, e o regime de Bashar Al-Assad, apoiado pelas tropas de Moscovo, Irão, combatentes do Hezbollah e milícias xiitas iraquianas: uma guerra com este envolvimento internacional rapidamente pode tornar-se num conflito mundial que destrua o planeta. O equilíbrio do terror durante a Guerra Fria foi mantido porque os contendores pareciam ter a inteligência suficiente para perceber que com este tipo de guerra a humanidade toda perdia. Quando olhamos para Trump não percebemos se ele sabe disso, para além de fazer posts tonitruantes na sua conta de Twitter. Também por isso, a posição de Realpolitik do ministro Santos Silva é má. Não só porque é errada – deve-se esperar que os técnicos da ONU façam a investigação antes de tomar medidas –, como é imbecil, porque tira força ao secretário-geral da ONU e apoia as hostes mais belicistas.
Uma posição dessas teria de ter sido precedida por um debate sério no parlamento. E o governo deve assumir, de uma vez por todas, se quer fazer uma nova geringonça com Trump ou bater-se pela paz com os partidos à sua esquerda, apoiando os esforços de António Guterres.