A arca perdida. Beautify Junkyards – "The Invisible World of Beautify Junkyards"
“The Invisible World of Beautify Junkyards” não tem tempo contado nem espaço cartografado. Nasceu em Lisboa, tem selo inglês da Ghost Box (a editora de gente tão aventureira como os Py Corner Audio), mas tanto convoca a folk ancestral e rústica inglesa como visita a tropicália brasileira ou a música komische alemã com igual desplante. Mundo pequenino este que acomoda a geografia, inclui a memória e faz do terceiro álbum dos Beautify Junkyards o mais sumarento, completo e místico da obra pós-Hipnótica. O reforço de Helena Espvall (Espers) na guitarra e violoncelo traz para a banda ingredientes extra para confecionar uma poção mágica, evocativa de contos, fantasias e personagens para-humanas. João Branco Kyron e Rita Vian contam histórias em narrativas vocais de harmonia quimérica que chamam para mundos desconhecidos, talvez guardados em florestas encantadas ou em baús por reabrir. Por isso, este universo misterioso e vendado é como uma arca perdida para ser salteada ou reencontrada.
Espécie rara. Jonathan Wilson – "Rare Birds"
Os últimos verões foram férteis em rock psicadélico ou de estradas secundárias como o AOR ou middle of the road mas, a haver um pódio de pensamento imediato, ele é ocupado por Tame Impala, Unknown Mortal Orchestra ou Foxygen, para não falar dos maratonistas King Gizzard & The Lizard Wizard. Injustiça poética para Jonathan Wilson? Talvez não. O rescaldo do luxuoso “Fanfare” (2013) foi o convite para supervisionar a homenagem “What You Need Is What You Have, The Songs of Roy Harper” e o honroso convite de Roger Waters para ser uma espécie de ministro da Presidência de “Is This The Life You Really Want?” e ainda para viajar em executiva na digressão Us + Them. “Rare Birds” é o produto dessas migrações e viagens. Não surpreende como “Fanfare”, não arrebata ao primeiro contacto, mas é um álbum que ganha com a prova do tempo e puro artesanato de um estudioso que vive dentro dos anos 70 em modo exploratório permanente. “Rare Birds” define-se pela riqueza infinita de camadas que se revelam sobre camadas sonoras.
Yo La Quem? Yo La Tengo – "There's a Riot Goin' On"
“There’s a Riot Goin’ On” cita o álbum histórico de Sly & The Family Stone, mas do funk viscoso e adicto resta apenas um protesto pacífico e em voz baixa de uma banda que, como nunca, desafia os limites sonoros próprios e se divorcia amigavelmente da matriz de rock alternativo, normalizada na era digital. Nem se trata de uma reação a um processo de reação a um fenómeno de vulgarização, de que os Yo La Tengo se refugiaram, remetendo-se a um canto muito particular e despretensioso. Ira Kaplan (61 anos), Georgia Hubley (58) e James McNew (48) são crianças no recreio a jogar de acordo com as próprias regras. Por isso, a única síndrome de que “There’s a Riot Goin’ On” sofre não é o da meia-idade, mas sim a da liberdade de questionar o adquirido e o conforto. As longas e meditativas canções dão margem para um improviso que se imagina construído sobre longas sessões de puro experimentalismo sem fim premeditado. Os fãs talvez não compreendam a radicalização e a tribo indie vai ignorar; só elogios, portanto.