Os materiais e o armazenamento de energia

Os materiais e o armazenamento de energia


O principal desafio da mobilidade elétrica é a autonomia. Hoje em dia, já se anunciam autonomias acima dos 500 km, o que convence o consumidor de que é possível percorrer uma boa parte do país, ou chegar ao Algarve, sem ter de parar para carregar a bateria


A mobilidade elétrica está na moda, e ainda bem. A procura de carros elétricos está a aumentar e as vendas a subir (eu, por exemplo, comprei um). Sem dúvida, os carros elétricos, que afinal foram dos primeiros a ser inventados (há que lembrar Ferdinand Porsche, o grande dinamizador do carro elétrico no virar do séc. xix para o séc. xx), irão substituir em grande parte os veículos de combustão, pelo menos a nível de utilitários.

O principal desafio da mobilidade elétrica é a autonomia. Hoje em dia, já se anunciam autonomias acima dos 500 km, o que convence o consumidor de que é possível percorrer uma boa parte do país, ou chegar ao Algarve, sem ter de parar para carregar a bateria.

Um veículo elétrico armazena a energia necessária em baterias durante o processo de carga, ou seja, converte a energia elétrica em energia química através de reações químicas que ocorrem nos materiais que constituem os elétrodos da bateria. Depois, à medida que a energia vai sendo necessária para fazer mover o veículo, essa energia química é convertida em energia mecânica, mais uma vez graças a reações químicas que ocorrem nos materiais do elétrodo.

As baterias para veículos elétricos são tipicamente baterias de lítio; isto quer dizer que o material ativo, onde se dão as reações que armazenam (ou fornecem) a energia, envolve o ião lítio, que é um pequeno ião extremamente reativo. Existem dois tipos de elétrodos nas baterias de lítio: um deles, o cátodo, é tipicamente constituído por óxidos metálicos (em que um dos metais pode ser lítio; o outro, o ânodo, em geral é fabricado com materiais de carbono). Os eletrólitos são tipicamente misturas enriquecidas em iões lítio. Os processos reacionais que ocorrem nestes elétrodos são em geral complexos e dependem da composição dos materiais que os constituem. A natureza destes materiais determina quais as reações químicas que ocorrem nos elétrodos e os respetivos mecanismos, o que por sua vez define a capacidade da bateria, isto é, a quantidade de energia armazenada. Aliás, a natureza e a composição dos materiais de elétrodo definem as métricas finais das baterias, nomeadamente a sua densidade de energia e densidade de potência. Enquanto a primeira determina a autonomia e a quantidade de energia armazenada, a segunda determina a rapidez com que essa energia pode ser obtida. São também os materiais de elétrodo que determinam o tempo de carga e o número de ciclos de carga-descarga que a bateria consegue suportar. Ou seja, os materiais são o cerne da bateria e são determinantes na capacidade de armazenamento de energia e na definição da potência da bateria. Mas as baterias, por si só, não são suficientes para otimizar a gestão da energia num carro elétrico ou mesmo num iPhone ou num computador portátil. Afinal, as reações químicas demoram algum tempo e, portanto, a rapidez com que a energia é armazenada ou extraída da bateria está condicionada. Para ultrapassar esta limitação, os supercondensadores estão lá para ajudar. Um supercondensador também é um dispositivo de armazenamento de energia, mas em geral armazena menos quantidade de energia que uma bateria. Possui, no entanto, uma grande vantagem: consegue entregar e receber energia muito rapidamente, ou seja a sua potência é muito elevada. Ora, deste modo, os supercondensadores são um excelente complemento à bateria, suportando por exemplo picos de energia durante a aceleração ou durante as travagens de um veículo elétrico. Os supercondensadores ajudam a poupar as baterias, prolongando o seu tempo de vida, e ao mesmo tempo aumentam o rendimento energético no veículo.

Os supercondensadores também são constituídos por elétrodos onde existem materiais ativos que permitem a carga e descarga do dispositivo e que determinam a quantidade de energia armazenada, bem como a potência. Os supercondensadores comerciais mais comuns e mais baratos possuem elétrodos constituídos apenas por carbono (carvão ativado) que armazenam energia graças a processos de acumulação de cargas na superfície do carbono. Não envolvem reações químicas e, portanto, a quantidade de energia que conseguem armazenar é pequena, cerca de 20-50 vezes inferior à bateria. No entanto, conseguem entregá-la muito rapidamente e inúmeras vezes, o que é uma grande vantagem.

Ora, estes materiais de elétrodo podem ser modificados com compostos metálicos muito reativos, por exemplo óxidos/hidróxidos de cobalto, níquel, manganês ou ferro, incluindo misturas dos mesmos, conseguindo-se deste modo aumentar consideravelmente a energia armazenada. Na prática, estes materiais são oxidados ou reduzidos, graças a reações bastante rápidas que envolvem vários eletrões e que permitem armazenar uma quantidade de energia significativa. Existem inúmeras possibilidades em termos de materiais que podem ser utilizados para modificar os elétrodos de supercondensadores e um sem-fim de composições, combinações, morfologias e porosidades que podem ser exploradas. A fabricação destes elétrodos pode ser conseguida por vias muito simples e com recurso a matérias-primas amigas do ambiente. Nos últimos anos, uma equipa de investigação liderada pela autora, no Centro de Química Estrutural do Instituto Superior Técnico, tem sido pioneira no desenvolvimento de novos materiais de elétrodo para supercondensadores do tipo redox, que permitem aumentar a densidade de energia e de potência por comparação com os materiais comerciais. Estes novos materiais fazem uso de combinações de compostos metálicos com derivados de carbono que resultam em fortes sinergias em termos de energia e potência dos dispositivos. Graças à ciência dos materiais e a técnicas de funcionalização de superfícies, tem sido possível criar um conjunto de novas soluções que podem ajudar a implementar a mobilidade elétrica a larga escala, de uma forma mais eficiente e mais amiga do ambiente.

O mundo dos materiais é vasto e existe ainda um grande potencial por explorar. Um verdadeiro desafio para a investigação, desenvolvimento e inovação é, sem dúvida, a aventura no mundo dos materiais para armazenamento de energia. Essa jornada ainda agora começou e irá determinar o futuro do armazenamento da energia ao longo de toda a sua cadeia de valor, contribuindo para um ambiente mais limpo e mais sustentável.

 

Vice-presidente para os Assuntos Académicos. Investigadora do Centro de Química Estrutural