Alguns desastres da direita em Portugal

Alguns desastres da direita em Portugal


Entre o início da crise financeira de 2008 e o final de 2013, foram retirados 3,6 mil milhões de euros aos salários e entregues 2,6 mil milhões ao Capital


Fui à cata de memórias da direita no meu sobrecarregado arquivo de textos e números comprometedores, e confesso que tive muita dificuldade na escolha entre a multidão de asneiras e escândalos em que a direita é fecunda. Mas acabei por assentar apenas em algumas notícias, textos e números de fontes não contaminadas.

Dá-se o caso, hoje, da direita acusar a esquerda no poder de não efectuar as reformas que o estado do país reclama. Podia perguntar à direita porque é que não aproveitou, então, as duas décadas em que esteve no poder nos últimos trinta anos, para as levar a cabo. Mas lembrei-me, entretanto, da grande sova que o Tribunal de Contras vibrou no Governo de Passos-Portas-Albuquerque-Cristas, em Dezembro de 2013, por causa do estrondoso fracasso do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado (Premac) que, afinal, só conseguiu abranger 16 % do universo da Administração Pública. De facto, as reduções de estruturas e cargos dirigentes ficaram muito aquém das metas delineadas pelo governo e até se verificou – imaginem! – um aumento do número de funcionários públicos: um pouco mais de 90 mil, credo!

Em 2015, o Tribunal de Contas voltou à carga, a propósito das privatizações da EDP e da REN, acusando o mesmíssimo governo de direita de não tomar medidas legislativas “que acautelassem os interesses estratégicos do Estado português após a conclusão do processo de privatização”. No “relatório de auditoria dos processos de (re)privatização do sector eléctrico”, publicado em 29 de Junho de 2015, o Tribunal de Contas frisa que – não obstante o decreto de privatização da EDP e da REN e o acordo de venda e de parceria estratégica conterem referências à salvaguarda do interesse nacional – “não foi prevista qualquer cláusula de penalização para o seu incumprimento”, em claro desrespeito pelo estatuído no artigo 27 da Lei Quadro das Privatizações. Além disso, a auditoria do Tribunal de Contas constatou que “a postura do Estado Português” se revelou “menos adequada quando comparada com a de alguns dos países europeus que protegem claramente os seus ativos estratégicos”.

Entretanto, em 21 de Junho de 2014, o suplemento “Dinheiro Vivo” do “DN” anunciava que – entre o início da crise financeira de 2008 e o final de 2013, quando o Governo de coligação do PPD-PSD / CDS-PP já estava há dois anos e meio no poder – se assistiu a uma transferência de riqueza de grandes proporções do factor Trabalho para o Capital, com a crise a retirar 3,6 mil milhões de euros aos salários e a entregar 2,6 mil milhões ao Capital. Com a direita só podia ser assim, dir-me-ão. E foi mesmo!

Outra das acusações contra o PS que agora circula em alguns jornais é a de que foi quando Armando Vara pertenceu à administração da CGD que se verificou o maior rombo no banco público. O que – embora Armando Vara possa não ser “flor que se cheire” – não corresponde de todo à verdade. Referindo-se, em 20 de Julho de 2016, ao “negócio mais ruinoso da Caixa Geral de Depósitos nos últimos anos”, o jornalista especializado em economia e finanças Bruno Faria Lopes escrevia: “É difícil bater o resultado da expansão (da CGD) em Espanha a partir de 2005. Tal expansão foi o cumprimento de um desejo político antigo, que vinha pelo menos desde o tempo de Cavaco Silva como primeiro-ministro (1985-1995)”. E foi um trágico fiasco!

Liderado por Faria de Oliveira (que foi “braço direito” de Cavaco Silva e que viria a ser presidente da Associação Portuguesa de Bancos), ao lado do administrador da CGD para a área internacional, Carlos Costa, hoje Governador do Banco de Portugal – esse “plano muito ambicioso” para desenvolver o negócio em Espanha “levou a Caixa a investir 300 milhões de euros numa economia sobreaquecida por uma bolha imobiliária mesmo na véspera do rebentamento da crise do ‘subprime’ (…) As perdas rapidamente apareceram, mas só em 2009 a Caixa travou a expansão. As contas do banco espanhol foram sendo embelezadas através dum ‘bad bank’ criado em Espanha, onde foram estacionados 1,5 mil milhões de euros em créditos problemáticos”. Em 2013, porém, Bruxelas obrigou a uma reestruturação profunda – e o Banco Caixa Geral encolheu muito, podendo até ser vendido. Quanto perdeu, então, a CGD em Espanha? Um ex-administrador admitiu que “ninguém sabe na Caixa”, mas fontes ligadas à CGD falam de mil milhões como um valor mínimo e ‘conservador’.

Quanto à banca, os desastres da responsabilidade da direita e da plutocracia que a apoia não se ficam por aqui. Como salientou Nicolau Santos, no Expresso, em 28 de Dezembro de 2015: “Todos nos lembramos do cortejo dos cinco maiores banqueiros portugueses (Ricardo Salgado, Fernando Ulrich, Nuno Amado, Faria de Oliveira e Carlos Santos Ferreira) a irem ao Ministério das Finanças e depois à TVI exigir ao então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que pedisse ajuda internacional. Todos nos lembramos como o santo e a senha da altura era o da insustentável dívida pública portuguesa por erros de gestão do Governo de José Sócrates. Todos nos lembramos das sucessivas reafirmações de que a banca estava sólida, por parte do Banco de Portugal e do governador Carlos Costa. Todos nos lembramos dos testes de ‘stress’ aos bancos conduzidos pela Autoridade Bancária Europeia – e como os bancos nacionais passaram sempre esses testes. E, depois disso, BPI, BCP, CGD e Banif tiveram de recorrer à linha de crédito de 12 mil milhões acordada com a troika. E, depois disso, o BES implodiu – e o Banif também. E, depois disso, só o BPI pagou até agora tudo o que lhe foi emprestado. E, antes disso, já o BPN e o BPP tinham implodido. E a Caixa vai ter de fazer um aumento de capital. E o Montepio é uma preocupação”.

Mais disse Nicolau Santos: que as empresas de Luís Filipe Vieira deixaram uma dívida de 17 milhões do BPN à Parvalorem, do Estado, e tinham ainda por pagar 600 milhões de crédito do BES; que o ex-líder da bancada parlamentar do PSD, Duarte Lima, deixou perdas tanto no Novo Banco como no BPN, e que Arlindo Carvalho, ex-ministro de Cavaco, também foi acusado por ilícitos relacionados com crédito concedido pelo BPN para compra de terrenos. Outro dos homens fortes do cavaquismo, Dias Loureiro, era arguido, desde 2009, por compras de empresas em Porto Rico e Marrocos e suspeita de crimes fiscais e burlas. Todavia, seis anos depois, o Ministério Público ainda não acusara Dias Loureiro, e o processo acabou por ser arquivado.

Já em 17 de Fevereiro de 2017, Nicolau Santos escreveria, a propósito dos constantes ataques da direita ao ministro das Finanças, Mário Centeno: “Na verdade, o que a direita não suporta é que Centeno tenha provado que era possível trilhar outro caminho económico, com menos sacrifícios para os portugueses, e mesmo assim conseguir reduzir o défice para valores historicamente baixos, o mais baixo em 42 anos de democracia, coisa que a direita nunca conseguiu até agora. O que a direita não perdoa a Centeno é que tenha conseguido fazer isto colocando a economia a crescer um pouco mais do que se esperava, com o regresso do investimento, a subida das exportações, a melhoria do clima económico e do indicador de confiança”.

Alguns meses antes, a 26 de Julho de 2016, referindo-se às sucessivas crises da banca portuguesa, “que em nada abonam a favor da elite financeira-industrial que as portas de Abril abriu”, o jornalista Sérgio Figueiredo, ex-director do “Diário Económico” e actualmente director da TVI, escrevia: “Sem ambiguidades, nem meias palavras, as três tragédias recentes (da banca) têm três responsáveis bem identificados: o PSD (que tem a responsabilidade activa); a sua ministra das Finanças (que personifica a arrogância ignorante ou a ignorância arrogante, tanto faz…); e o CDS (em cumplicidade silenciosa, porque antes coligado do que morto)”. Mais: “Culpar a geringonça por um buraco de três mil milhões no Banif, por outro tanto na CGD e pelo imbróglio do Novo Banco é ofender a inteligência dos portugueses. Pior: justificar este terramoto na banca nacional com os últimos seis meses (Janeiro a Julho de 2016) é impedir que um dia se esclareça o que quer que seja. Não houve um terramoto financeiro em Portugal, simplesmente o sistema está a ruir por dentro”. E ainda mais: “Costa, Centeno e companhia são responsáveis por muita coisa, podiam por exemplo carregar baldes de água em vez de depósitos de gasolina. Mas não são eles que devem responder pelo fogo que encontraram na tomada de posse. Por isso, não é admissível o papel que Passos Coelho anda(va) a fazer – porque contrasta com a seriedade dos anos em que aplicou a inevitável austeridade. E não é decente a figura de alguns dos seus mentecaptos no Parlamento”. Seria difícil ser mais incisivo.

Passos Coelho e alguns destes “mentecaptos” já se foram embora, mas o sonho deles é voltar e recomeçar a obra de destruição do Trabalho para beneficiar o Capital. Além de ainda restarem os “mentecaptos” que ficaram e não arredam pé. Se há coisa que a direita portuguesa, no estado em que está desde Durão Barroso e Santana Lopes, já provou que não tem, é vergonha na cara, memória do mal que fez e capacidade para reconhecer os graves erros que cometeu e os enormes escândalos a que está directa ou indirectamente ligada. “Quod erat demonstrandum”!