Lula divide em Portugal

Lula divide em Portugal


A decisão de prisão do ex-Presidente brasileiro Lula da Silva divide os políticos portugueses entre os que acreditam que há intenções políticas e os que confiam no processo judicial.


Do lado de cá do Atlântico, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros depositou a «confiança» numa «democracia brasileira suficientemente madura para que estes processos de natureza judicial que estão em curso não tenham nenhuma consequência nem direta nem indireta sobre as questões políticas». Foi a única declaração oficial feita pelo Governo e pela Presidência da República sobre o mandado de prisão de Luiz Inácio Lula da Silva na sequência da Operação Lava Jato. Filipe Neto Brandão, deputado do PS, aproveitou para citar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo que «tal como não gostam que noutros países se opine sobre o nosso, também não opinamos sobre os deles».

No entanto, entre aqueles que se abalançaram a opinar, percebemos que, tal como no Brasil, a questão Lula também divide os políticos portugueses entre a esquerda e a direita. Os primeiros, considerando que existe interesse político por trás da decisão, e os segundos, achando que a justiça está só a fazer o seu trabalho.

PS, Bloco de Esquerda (BE) e PCP falam em interesses políticos por trás da decisão do tribunal. Isabel Moreira, deputada socialista nascida no Brasil, defendeu ao SOL que «o que está em causa é impedir que o pré-candidato mais popular possa ir a votos», acrescentando com repugno que «isto tem um cheiro bafiento à ditadura militar brasileira».

Desde o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff, a deputada portuguesa acredita que há «uma elite brasileira que nunca se conformou com o fim da ditadura militar» e quer repor esta forma governativa. «Estes golpistas nunca perdoaram que um operário chegasse a Presidente da República e que desse um pouco de esperança ao povo brasileiro», acrescenta.

Essa é também uma preocupação de Joana Mortágua, deputada do BE, que condena os altos membros do exército pelas «intromissões claras na justiça e que podiam muito bem ser colhidas como apelos à recusa do habeas corpus de Lula».

Uma preocupação partilhada por Ivan Gonçalves, vice-presidente da bancada parlamentar socialista. «Não é normal que nós tenhamos elementos das forças armadas a colocar informações no Twitter – como fizeram a semana passada – que inflamam ainda mais o sentimento popular e que tentem condicionar, através da ameaça de golpes militares, o que é o sistema de justiça brasileiro».

«A justiça parece ser um instrumento para condicionar a agenda política», acrescenta o deputado que acredita haver «uma parte da sociedade brasileira – e desta direita anti-PT e anti-Lula – que está a aproveitar este processo para evitar que ele seja candidato, quando as sondagens dizem que é ele quem tem melhores condições para vencer as eleições». Ivan Gonçalves recorda que o segundo candidato nas sondagens, Jair Bolsonaro, é «quase fascista».

Também Vitalino Canas, deputado do PS, acredita que «se o presidente Lula da Silva não estivesse como está nas sondagens, se calhar as decisões não teriam sido estas» e Renato Sampaio, deputado e presidente da concelhia do PS no Porto, apelida de «violência» a decisão do tribunal. «É absolutamente anticonstitucional, a Constituição da República brasileira já não conta para nada», acrescenta, lembrando que «o que a Constituição brasileira diz é que um individuo só pode cumprir pena após o processo transitar em julgado e ainda não transitou».

Joana Mortágua considera que «estão a retirar ao povo brasileiro a possibilidade de exercer o seu ato democrático sem que para isso tenha havido um julgamento justo». «Pôr um homem que é o candidato melhor posicionado à presidência do Brasil na cadeia com um julgamento onde não há uma única prova, nota-se que é um julgamento político», disse a deputada

Alfredo Barroso, antigo chefe da Casa Civil do Presidente da República Mário Soares, defende que «a direita incendiou o Brasil» porque «não suporta que um homem de esquerda como é Lula da Silva tenha tirado 20 milhões de brasileiros da pobreza». «É extraordinário que, num país – em princípio – democrático, o juiz que faz a instrução do processo é o mesmo que aplica a pena, portanto neste processo não há isenção nenhuma», critica Barroso, que considera que esta decisão vem «dar cabo de um grande símbolo da República brasileira».

Alfredo Barroso teme que com Lula fora da corrida presidencial, a esquerda brasileira fique mais fraca, uma vez que «é muito difícil arranjar um outro candidato tão consensual», o que «beneficia largamente a direita».

João Soares, ex-ministro da Cultura e deputado socialista, ainda acredita que a prisão não venha a acontecer. «Apesar de tudo ainda espero que eles não avancem com a prisão, acho que não introduz nenhum fator de apaziguamento e de estabilidade num país que estava aqui há anos numa situação invejável e que agora está numa situação a todos os títulos deplorável», disse. «Qualquer eventual sanção que se adote contra um ex-Presidente com a popularidade que tem o Presidente Lula, na minha modesta opinião, é um disparate», acrescentou.

O PCP lembra, em comunicado, o «golpe de Estado inconstitucional» que resultou na destituição da Presidente Dilma Rousseff para dizer que «está em marcha um vergonhoso processo político que, ao mesmo tempo que dá cobertura ao corrupto, antipopular e repressivo Governo de Michel Temer, procura a todo o custo impedir a candidatura de Lula da Silva às eleições presidenciais de 2018». 

Por seu lado, Duarte Marques, deputado do PSD, disse ao SOL que «os partidos não se devem meter em questões de justiça» reforçando que, numa democracia, como o Brasil, «os tribunais são independentes, soberanos» e devem ser respeitados «para o bem ou para o mal». O SOL tentou falar com outras vozes do PSD, mas tal não foi possível.

No lado CDS, o líder parlamentar Nuno Magalhães, referiu ao SOL que o partido não se vai pronunciar sobre o caso. Mas o antigo líder centrista José Ribeiro e Castro falou, para sublinhar que «a justiça tem que exercer a sua responsabilidade» e salientar que a decisão foi tomada «por um tribunal coletivo com muitas opiniões e até com seguimento público dos votos de cada juiz e, portanto, é uma decisão plural, desinibida como muitas vezes acontece nos tribunais superiores».

«Nós também já ouvimos esse tipo de críticas feitas em Portugal noutro processo que envolve políticos e não nos podemos deixar impressionar por isso», acrescentou ainda Ribeiro e Castro.