Ainda por aqui ando! Escrevo-vos como da outra vez, em pausas que não são pausas, mas ainda mais feliz do que estava. Mas comecemos do início. Depois das palestras na ilha de Santiago, fomos viver a nossa Páscoa na ilha de Santo Antão. E agora é preciso interiorizar o nome desta ilha – Santo Antão. Ansiosos por descansar, qualquer lugar seria maravilhoso, mas não pensámos que ficaríamos no verdadeiro Paraíso. Não sabíamos que iríamos ver, pela primeira vez nas nossas vidas, as montanhas mais impiedosas e incríveis do mundo, não sabíamos que faríamos novos amigos, não sabíamos que na mesma ilha mergulharíamos no verde exótico e no mar. Na mesma ilha, todas as belezas decidiram encontrar-se. O Tiago disse-me, aliás, que nunca tinha estado comigo assim, com tamanho estado de serenidade. Eu, que me acho uma miúda tranquila, talvez não o seja assim tanto, ou talvez nunca tivesse encontrado tantas pessoas que me transmitissem essa calma. Acho que confundimos calma com passividade. Não é a mesma coisa. Dizer-vos que aqui as pessoas são calmas, o ambiente é sereno, não significa que não produzam e que não façam e aconteçam. Pelo contrário. As coisas acontecem, sim, e talvez com maior profundidade, mas há sempre tempo para olhar para o mar, há sempre tempo para parar o carro no meio da estrada e ficar a conversar, há sempre tempo para rir em grupo. Claro que ajuda o facto de as pessoas se conhecerem, não existir trânsito e as distâncias serem curtas. Claro que sim. Mas ajuda mais as pessoas saberem ouvir. E é isso que nos falta.
Voltámos desta paz e ficámos uns dias em São Vicente (sinto-me bem em Mindelo e logo no primeiro dia jantámos “sem querer” na casa de uma nova amiga, assim fácil, assim de repente, onde rimos que nem loucos exaustos) para continuarmos a nossa jornada. Como já vos disse, é mais fácil fazer as palestras cá porque as pessoas, aqui, não têm medo de partilhar o seu testemunho. Simplesmente falam. Tenho ouvido histórias difíceis, outras mais leves, mas sempre inspiradoras. São sempre estas histórias que acrescentam valor ao que tenho feito em Cabo Verde. E tenho mesmo de partilhar convosco um dos momentos que fez a plateia ir às lágrimas.
O Jorge (que agora é nosso amigo), depois da palestra no magnífico espaço de arte ALAIM (conheçam, por favor!), decide contar-nos isto:
“Tenho um primo que diz que é vidente. Mas ele até vai acertando numas coisas! Um dia pegou na minha mão e disse-me isto: ‘Tens um cancro!’ Mesmo brincando e gozando com ele, claro que aquilo mexeu comigo e decidi conversar com a minha médica. Pedi-lhe que me visse, fizesse análises… e a médica garantiu-me que eu estava bem. Cheguei ao pé do meu primo e disse-lhe: ‘Ouve lá, enganaste-te! Fui à médica e não tenho cancro.’ Ao qual ele me respondeu: ‘É porque era um cancro oculto…’”
A plateia estalou a rir. Não vos sei como explicar o quão fico grata por ouvir estas partilhas. O quão cresce o Cancro com Humor sempre que nos rimos juntos. Mas toda esta experiência tem sido tão especial que sei que não é justo contar-vos apenas alguns momentos ou falar de apenas algumas palestras. Todas elas têm vidas lá dentro, por isso, todas são irrepetíveis. Mas, mesmo não sendo justo, deixem-me salientar a partilha que vivemos com a comunidade de Mindelo, num centro recreativo de apoio a jovens. Estávamos em círculo e no início era, aparentemente, um ambiente estranho, difícil, porque estaria a conversar não com doentes oncológicos mas com a comunidade em geral e com pessoas com histórias de vida muito duras. Não tínhamos o cancro em comum e eu achei que isso poderia ser uma barreira. Não foi. Pelo contrário. Muitos dos que ali estavam decidiram partilhar os seus medos, a sua força, e não ouvimos nenhuma história igual à outra. Falou-se de morte, de vida, de luto, de amor. Nada havia, afinal, a separar-nos e saí de lá com a certeza de que todos os mundos se tocam – todos.
Sei que me custará muito retomar a vida em Portugal. Vou envolvida neste ambiente e terei de saber adaptar-me ao meu país, que é o meu lugar. Mas vou tentar manter algumas coisas que aprendi. Vou tentar que o meu sorriso seja sempre maior que o de ontem e estarei sempre com o coração no mar. Como é aqui em Cabo Verde. Até lá, continuo aqui, a mergulhar na verdade.
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Escreve à quinta-feira