Crónica sobre o último e verdadeiro maior aumento de impostos de sempre


Passados três anos, os indicadores começam a reflectir nos números a espectacular – e, a espaços, vergonhosa – falta de aderência absoluta do discurso e dos números à realidade


À medida que esta legislatura avança, tal como repete o adágio popular da imagem da verdade lida na água e no azeite, constatamos que com uma pouco surpreendente cadência, os chavões da pós-verdade se separam e, por estes dias, vêm caindo com enorme estrondo (mas devidamente abafados pela imprensa amorfa, acrítica e indolente, ou apenas incompetente) relativamente a todos os enormes logros que são alguns dos esteios da narrativa adoptada por estes dependentes dos focus groups que nos governam.

Entre várias outras (depois do relatório arrasador das culpas do governo na gestão dos incêndios de Outubro, que merecia muito mais difusão), acabámos de saber agora que pese embora o muito apregoado e muito selectivo fim da austeridade – que a coligação de esquerda vem erigindo como o grande sucesso do governo de segunda escolha dos portugueses, ao longo deste mandato –, a verdade (ou a realidade) parece não querer confundir-se com a retórica populista e desavergonhada do governo e dos seus apoiantes.

Ora, a confiar-se no INE, e de acordo com os seus registos, a verdade é que considerando todo o intervalo do universo conhecido – cuja recolha de dados se iniciou em 1995 –, este ano que passou, num intervalo de 22 anos, atingimos, como noticiam várias publicações, o mais elevado número desde que há registos da carga fiscal em percentagem do PIB, em Portugal.

Quer isto dizer que, há alguns poucos anos saídos do plano de assistência e do resgate financeiro internacional imposto pelo PS, e aplicado através das medidas draconianas do PSD de Gaspar e de Maria Luís, no tal enorme aumento de impostos muito além da troika –, vieram PS, BE e PCP decretar à cidade e ao mundo que garantiam o fim da austeridade.

Passados três anos, os indicadores começam a reflectir nos números a espectacular – e, a espaços, vergonhosa – falta de aderência absoluta desse discurso e números à realidade.

Com algumas pequenas – apesar de tudo – concessões aos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares (e não na prometida velocidade), houve algum desagravamento fiscal nesta rubrica ou na do microuniverso do IVA da restauração. Mas a verdade é que nem só de IRS vive a tributação dos particulares, e do IVA da restauração o sector dos serviços, e, por isso, já seria discutível falar-se (sem ser em termos de pura retórica política) do tal fim da austeridade.

Bastará, aliás, atender-se aos impostos indirectos aumentados ou aos criados ex novo para se poder – mesmo sem discutir o seu carácter cego e não redistributivo – desconfiar da falta de propriedade emprestada ao termo austeridade, como se só os impostos sobre o rendimento fossem austeros, para depois termos presentes também os impostos sobre o património ou o aumento do IRC sobre as empresas, para termos, ainda que contra todo o discurso main-stream, a óbvia percepção de que a carga fiscal (ou seja, o esforço fiscal pedido a cada português) estava a aumentar e não a diminuir e que, portanto, o fim da austeridade é a tal mentira que, repetida tantas vezes, poderia tornar-se verdadeira se não houvesse registos independentes.

Junte-se a esta realidade a execução do Orçamento do Estado, devidamente comprimida pelas cativações de máximos históricos (o famoso plano B) e pelos cortes no investimento público ou com a asfixia financeira dos serviços públicos “renacionalizados”, como os transportes, o SNS moribundo e mais algumas das marcas indeléveis deste governo, e veja-se quão acríticos nos tornámos desta deriva profundamente austeritária com que a esquerda unida nos brindou, enquanto apregoa vitórias neoliberais como o menor défice da democracia…

É obra que se anuncie, sem estrondo nem muito merecido escândalo, que três anos volvidos sobre a decretada morte da austeridade, afinal, a carga fiscal no ano de 2017 tenha atingido o recorde absoluto dos 34,7% do PIB, ou seja – para o governo (e a coligação) que supostamente matou a austeridade –, o que temos afinal é (ao contrário) o mais alto nível de carga fiscal em percentagem de PIB desde que há registos, e convém lembrar que os números de Gaspar estão registados e esses PIB eram menores!

Há muito que o gato estava escondido com o rabo de fora: a austeridade das esquerdas, ao que parece e relativamente à de Gaspar e Maria Luís, afinal não é só diferente, também é muito maior!

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990