O processo Fizz já não é urgente. Esta semana foi colocado em liberdade o único arguido que estava em prisão domiciliária, o antigo procurador Orlando Figueira, e na última quinta-feira o juiz presidente do coletivo fez questão de lembrar que esse motivo faz com que o processo deixe de ser urgente, o que não significa que se alongue muito mais. Isto porque já foram ouvidas as principais testemunhas arroladas pela acusação e são poucas as testemunhas de defesa que faltam ouvir.
Ainda esta semana pela sala de audiências do 3.º piso do edifício A do Campus da Justiça, em Lisboa, passaram Graça Proença de Carvalho, filha do conhecido advogado, e N’Gunu Tiny, advogado são tomense que representou a empresa que contratou Orlando Figueira quando este deixou a magistratura (a Primagest).
O Ministério Público está convencido de que o contrato celebrado com esta empresa e o empréstimo que Orlando Figueira conseguiu junto do Banco Privado Atlântico não passaram de expedientes para que recebesse ‘luvas’ de Manuel Vicente, ex-presidente da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola. Uma tese que assenta no facto de a investigação ligar a Primagest à Sonangol, algo que desde o início é contestado pela defesa – que diz ser uma sociedade veículo relacionada com Carlos Silva, presidente do BPA e vice-presidente do Millennium BCP.
N’Gunu Tiny e as perguntas sem resposta sobre a Primagest
O principal objetivo da inquirição do advogado são-tomense N’Gunu Tiny no julgamento do caso Fizz era perceber se a Primagest, sociedade que contratou o antigo procurador Orlando Figueira, estava na órbita da Sonangol ou se é uma sociedade veículo do universo Atlântico. Porém, a testemunha pouco adiantou sobre o assunto.
N’Gunu Tiny admitiu ter representado a Primagest no processo de venda da empresa de engenharia Coba à Primagest, assegurando, no entanto, não saber quem eram os detentores desta. Isto, justificou, porque a sua intervenção aconteceu num ato em concreto e enquanto advogado do Banco Privado Atlântico, que terá tratado da procuração para que representasse a sociedade pontualmente.
O negócio da Coba surge no caso Fizz por ter sido importante para que os investigadores concluíssem que a Primagest estava ligada à Sonangol, de que à data era presidente Manuel Vicente.
Quando parte da empresa de engenharia portuguesa foi vendida às sociedades Primagest e Berkeley, houve diversas trocas de emails, alguns dos quais enviados pelo advogado são-tomense, que davam conta de que a Primagest estava na órbita da petrolífera estatal angolana.
Invocando o sigilo profissional, a testemunha disse não poder responder se a informação que deu por email aos vendedores, de que a Sonangol estava por trás da Primagest, era ou não verdadeira.
«Estamos a falar de 2011 e 2012, numa altura em que não havia tanta gente interessada em investir em Portugal. E foi no âmbito da estratégia negocial que foi referida a Sonangol como ligada à Primagest», disse, sem adiantar em concreto o que queria dizer com esta afirmação.
Mas rematou que, quem comprou, sabia da verdade: «As partes sabiam quem estava a vender e a comprar. Quando foi efetuado o negócio, o meu entendimento é o de que era claro para as partes quem é que estava a fazer negócio».
O MP considera que após a compra da Coba se tentou ocultar a ligação da Sonangol neste negócio, dado que, para efeitos de financiamento do Banco Mundial, a relação com uma empresa do Estado inviabilizaria o processo.
Mas em tribunal N’Gunu Tiny refutou esta tese, dizendo que não se pode analisar o negócio da Coba e o que foi dito sobre as ligações à Sonangol à luz da realidade europeia, lembrando que, do outro lado, está um país com características diferentes.
«Se se tiver em conta o ordenamento jurídico europeu compreendo que se possa considerar ilegal a ligação a uma empresa estatal, até pelo tratado de Roma, mas não se pode pensar que em Angola isso é assim. É legítima a intervenção do Estado, como é legítima a intervenção da Sonangol», explicou, acrescentando que a Sonangol era aliás uma garantia para qualquer financiamento.
Graça Proença de Carvalho e os ‘riscos da banca’
Mas se a semana começou com uma testemunha de peso, também acabou com outra. A administradora do Banco Privado Atlântico Graça Proença de Carvalho, que assinou o financiamento de 130 mil euros concedido a Orlando Figueira sem qualquer garantia, disse em tribunal que «ser banca é isso, tomar riscos».
A filha do conhecido advogado Daniel Proença de Carvalho é administradora daquela instituição bancária desde que a mesma foi criada, em agosto de 2009.
Adiantando que não se recordava do caso de Orlando Figueira em específico até 2016, a testemunha disse que quando o banco foi alvo de buscas e constituído arguido se inteirou do processo: «Todas as decisões são aprovadas por dois administradores e por isso é provável que tivesse estado envolvida na aprovação».
Assegurando nunca ter recebido qualquer indicação ou ordem para que o caso tivesse um tratamento diferente, Graça Proença de Carvalho afirmou que existem práticas políticas e procedimentos que têm de ser cumpridos, referindo que, além da gestão prudente do BPA, o cerco da supervisão está cada vez mais apertado para as entidades bancárias.
Exclamou ainda perante o coletivo que hoje «os bancos sabem muito mais da nossa vida do que quase nós próprios»
O convite do presidente do BPA, Carlos Silva
Graça Proença de Carvalho disse também que quem lhe fez o convite para ir para administração do banco foi Carlos Silva, que não teve dúvidas em identificar quando questionada pela defesa de Orlando Figueira sobre se sabia quem era o PCA do banco, sigla de Presidente do Conselho de Administração.
Esta questão surgiu porque há dias duas testemunhas, responsáveis do Banco Privado Atlântico, foram confrontadas com um documento bancário sobre Orlando Figueira onde constava a seguinte anotação: «Trata com o PCA». Perante isto, ambas disseram não saber o que significava tal sigla, o que gerou alguma estupefação na sala de audiências.
Graça Proença de Carvalho disse na sessão da última quinta-feira ter conhecimento de que o seu pai e Carlos Silva têm uma relação de amizade que vai além da profissional.
Questionada sobre se alguma vez tinha estado com o ex-vice-presidente de Angola, afirmou só ter estado uma vez, quando o banco foi inaugurado, nem sabendo se foram apresentados. Por outro lado, admitiu conhecer Armindo Pires – arguido que é homem de confiança de Vicente e que alegadamente serviu de intermediário – por ser fornecedor do banco.
Questionada sobre as ligações do banco à petrolífera estatal angolana, disse também saber que a Sonangol esteve na génese do Banco Privado Atlântico Europa.