Os idiotas úteis


A atual liderança do Partido Socialista convive mal com a crítica, exulta com os unanimismose alimenta uma certa intolerância para com quem pensa diferente


A utilidade é uma expressão maior da fragilidade de quem, sem convicções próprias e armadilhado pelas circunstâncias, é incapaz de compreender o papel útil que está a desempenhar para alguns.

A nova liderança do PSD, entre o vazio de ideias, de alternativas e de modelos de desenvolvimento para o país depois da passagem pelo governo entre 2011 e 2015, conseguiu enlear-se numa frenética sucessão de casos político-pessoais, alguns com epicentro no seu interior, que estão a converter a chegada do D. Sebastião laranja ao poder interno numa espécie de filme de terror de baixa qualidade. A utilidade do desastre pode ser evidente para o primeiro-ministro, mas é fátua porque, se a fraqueza é em demasia, a esquerda desconfia de que ali possa residir alguma possibilidade de alternativa à atual solução governativa. O que poderia ser uma utilidade plena, à esquerda como alternativa e à direita como suporte em algumas questões, pode afinal ser uma utilidade inútil a médio prazo. Será porventura esse desastre de início de liderança que está a animar a profusão de greves anunciadas porque, sem alternativa, faz sentido continuar a pressionar para mais cedências, mesmo que a trajetória de crescimento económico o não permita ou aconselhe. Rui Rio surge assim como de uma utilidade efémera, num tempo e num registo em que não se move à vontade. A prosseguir a empreitada no registo escolhido conseguirá menos que Passos nas legislativas e similar derrota nas urnas que António Costa. Sem agilidade para golpes de asa, rotulados de excessivos pela austeridade do estilo, restar-lhe-á a porta dos fundos.

A atual liderança do Partido Socialista convive mal com a crítica, exulta com os unanimismos e alimenta uma certa intolerância para com quem pensa diferente, sendo conveniente a existência de alguém que mascare esses tiques através de uma participação política condicionada à moda de Ben Ali na Tunísia, em que permitia uma determinada percentagem de oposição. É um exercício entre o tribalismo de quem abomina quem pensa diferente e um exercício de liberdade que, nas regras estabelecidas e na atual conjuntura, mais não é do que um inconsequente exercício de utilidade. Quantas deliberações adotadas ou diferidas no tempo não foram concretizadas? Quantas regras não foram mudadas para que a sintonia do pensamento harmonizado com o momento e a liderança não fossem um passeio? Para utilidades inúteis, haverá sempre mais vida além da política. Na certeza de que nunca deixará de haver liberdade de expressão e as consequentes retaliações de quem convive mal com a diversidade.

É assim na política como noutras áreas da sociedade: há sempre alguém que resigna, há sempre alguém que faz frete.

A escrever semanalmente no jornal i há quatro anos, há quem tenha despertado para a vida agora.

Sim, Portugal tem um problema sério de funcionamento de uma justiça em que alguns, marginais na dimensão dos profissionais do setor, são incapazes de guardar segredo de justiça e observar os mais elementares direitos, liberdades e garantias do Estado de direito democrático. Alguns que perante processos de investigação não hesitam em reeditar uma renovada senda dos tribunais plenários em que se fazem julgamentos e até arquivamentos na praça pública, através dos meios de comunicação e de suportes digitais que não disfarçam as fontes judiciais e as mãos que afagam o teclado. Poderá haver mais requinte, até ajustes de contas entre os órgãos de polícia criminal e os magistrados, uns e outros inconformados com comportamentos e decisões cruzadas. O que será mais estranho é estes nichos marginais da justiça do Estado de direito não perceberem que não passam de peças úteis para alguns interesses e estados de necessidade. Entre um clube intervencionado pela UEFA e outro intervencionado pelo BES, há uma incontornável convergência para tentar agir sobre o presente sem pingo de vontade em relação ao futuro. Não podem reescrever o passado, o passeio do presente deixou de o ser e, sobre o futuro, “bola”. É só mesmo o reincarnar da anedota do português e do americano que, na Av. da Liberdade, presenciam a passagem de potente veículo automóvel. O americano afirma de imediato: “Ainda um dia vou ter um daqueles.” O português verbaliza: “Ainda um dia, aquele vai andar a pé.” Mais do que a incontornável inveja, está presente a diferença entre quem nivela por baixo e quem tem consciência das capacidades para o futuro. Com diferenças tão curtas no presente, será sempre a preparação do futuro que dará mais vitórias e reconhecimento. E sobre esse estamos conversados, há muito que o espelho retrovisor tem as mesmas tonalidades. Apesar dos úteis que se revelam inúteis, quando na baliza aberta a bola não entra ou o penálti não é marcado.

Se soubermos depurar as tentações dos julgamentos sumários e as exacerbadas excitações digitais, este nosso tempo pode significar a consagração do “mais tarde ou mais cedo, tudo se sabe”. Quem foram os idiotas úteis, os factos fabricados, as fugas orientadas e muitas outras realidades que compõem um mundo com muita informação e com doses de intoxicação.

Este é um tempo de triagens, de exigência e de sentido de futuro.

Notas finais 

Inútil. As presunções individuais, com ou sem fundamento científico, têm preços que mais tarde ou mais cedo são pagos por todos, como o comprova o surto do sarampo em Portugal.

Útil. O relatório da Comissão Técnica Independente sobre os incêndios de 15 de outubro de 2017 é revelador das falhas ocorridas e indica pistas positivas a serem seguidas para que não voltem a repetir-se. Se na prevenção há sinais positivos, no combate, os sinais continuam a ser pouco tranquilizadores.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira