Incêndios de outubro. Oito pessoas morreram a dormir

Incêndios de outubro. Oito pessoas morreram a dormir


Fogo a partir das 16h de dia 15 de outubro foi o maior da Europa até ao momento e o maior do mundo em 2017, conclui relatório entregue ao Parlamento


Entre as 16 horas do dia 15 de outubro e as 5 horas da madrugada de 16 de outubro, as chamas avançaram em Portugal a uma média de 10 mil hectares por hora, num conjunto de cinco mega incêndios. Os peritos da comissão independente, que ontem entregaram ao parlamento uma análise de 274 páginas sobre a tragédia – que vitimou 48 pessoas, concluem – falam do maior fenómeno do género registado na Europa até ao momento e o maior do mundo no ano que passou.

O documento revela que os incêndios ultrapassaram velocidades de propagação de 6km/h, libertando três a nove vezes mais energia do que haveria capacidade para extinguir, também devido à escassez de meios, sobretudo na curta janela de oportunidade que houve para conter os focos de incêndio.

A violência das chamas foi tanta que a maioria das pessoas que perderam a vida no fogo não estava sequer em fuga, como acontecera no incêndio de Pedrógão Grande. Vinte e seis pessoas morreram em casa ou nas suas proximidades quando se deslocavam a pé para tentar proteger alguns bens e alguns no hospital e 27 estariam a equacionar fugir. Oito estariam mesmo a dormir quando o fogo passou e quatro estavam acordadas mas não terão conseguido sair de casa. Apenas sete pessoas morreram dentro da sua viatura. O relatório concluiu também que a maioria das 48 vítimas mortais (65%) morreu sozinha, ao contrário do que se passara em Pedrógão.

O relatório dos peritos fala de uma situação de “dramático abandono”, ficando as populações entregues a si próprias.

Avisos contraditórios à população Em outubro, o dispositivo de combate aos incêndios já tinha passado para a fase Delta, de menor prontidão, o que segundo os peritos contribuiu para a quebra na capacidade de resposta em termos de meios disponíveis. O relatório reconhece que as condições meteorológicas adversas levaram a que fosse feito um alerta sobre perigo de incêndio florestal por parte da Proteção Civil. “Contudo, este mesmo comunicado é responsável por criar uma expectativa claramente contraditória, admitindo que uma situação de precipitação seria previsível para a tarde do dia 16 de outubro”, lê-se no relatório.

Esta indicação terá motivado queimadas e trabalhos agrícolas, que os peritos concluem ter estado por detrás de um terço das ignições dos dias 14, 15 e 16 de outubro, dentro da média, peso idêntico ao do incendiarismo. “Porventura, com uma previsão meteorológica severa, como tinham indicado os briefings do IPMA, justificar-se-ia uma chamada de atenção pública com outros contornos”, concluem os peritos, que dão como exemplo o facto de, em agosto de 2017, num fim de semana com um prognóstico desfavorável, o Governo ter optado por decretar o Estado de Calamidade Preventiva, o que não sucedeu em outubro.

O relatório diz que o ataque inicial aos primeiros incêndios de 15 de outubro terá cumprido o instituído, mas depois as ignições tornaram-se demasiadas e a capacidade de mobilização era limitada, explicando, por exemplo, que os corpos de bombeiros que se tinham deslocado para teatros de operações mais afastados tiveram a certa altura de regressar para combater o fogo nos seus concelhos. “Um número significativo de forças nacionais já estava descontinuado, designadamente os meios aéreos”, concluem os peritos, reconhecendo que em alguns casos “não havia possibilidade alguma de combater o incêndio”. Ainda assim, tal como o “SOL” noticiou, foi comunicado à comissão que nas semanas anteriores ao fogo foram pedidos vários reforços de meios aéreos, que não foram autorizados superiormente. Após a tragédia, no dia 17, o governo autorizou 17 helicópteros.

Tal como na análise ao fogo de Pedrógão, são várias as recomendações dos peritos, da necessidade de corrigir a localização dos postos de comando operacional à “utilização criteriosa dos estados de alerta”, evitando a “vulgarização destes avisos”.

“Tínhamos capacidade de antecipação dos acontecimentos, mas não fizemos isso”, referiu ontem à imprensa João Guerreiro, coordenador do trabalho. “Tínhamos instrumentos e capacidade suficiente para minimizar aquilo que foi a extensão do incêndio”.

O relatório assinala que uma característica notória dos mega incêndios de 15 de outubro é 41,8% da área afetada ser território que não ardia pelo menos desde 1975 e 28,8% só tinha ardido uma vez, o que contribuiu para uma elevada carga de matéria combustível. Os peritos reconhecem que pinheiro bravo e eucalipto são as espécies mais vulneráveis e avisam que misturar as duas não diminui o risco, pelo contrário. A conjugação com carvalhos, sobreiros e pinheiro manso é o mais indicado.

Os peritos elencam os danos além da perda de vidas. Os incêndios causaram perdas a 521 empresas de 30 concelhos, afetando pelo menos temporariamente 4500 empregos, num prejuízo superior a 275 milhões de euros.