As tarefas essenciais do Estado são garantir a justiça e a segurança dos cidadãos. Os cidadãos pagam impostos precisamente para que essas funções sejam asseguradas. No caso dos proprietários existe precisamente um imposto, que é o IMI, que incide sobre os seus imóveis, mesmo que estes não produzam qualquer rendimento, e que tem como justificação os encargos que esses imóveis pretensamente acarretam para os municípios. Esse imposto foi, aliás, recentemente agravado por um adicional nos prédios de habitação, a pretexto de financiar a Segurança Social.
Apesar da feroz tributação que efectua sobre a propriedade, o Estado falhou totalmente na sua missão de assegurar a segurança das populações, causando a morte de 115 pessoas em dois gigantescos incêndios florestais. Nessa altura, os serviços do Estado falharam no socorro às populações em todas as suas vertentes. Falhou o SIRESP, apesar dos enormes custos que este sistema acarretou. Falharam os helicópteros Kamov, que custam ao Estado sete milhões de euros por ano e continuam parados. Falhou a Protecção Civil, que se mostrou incapaz de exercer as suas funções. E, finalmente, falhou a coordenação dos serviços do Estado, que foi incapaz de fazer o que lhe competia.
Após este falhanço, foi-se assistindo por parte do governo a um total alijar das suas responsabilidades. Só muito tardiamente, e depois de um discurso do Presidente, a ministra da Administração Interna assumiu as suas responsabilidades políticas. Antes disso, a culpa tinha sido convenientemente atribuída a uma trovoada seca e a um downburst.
Este ano, o governo decidiu encontrar outros bodes expiatórios: os proprietários de terrenos no interior. Se o governo tivesse algum pingo de decência, não iria incomodar pessoas idosas, abandonadas e esquecidas pelo Estado, que há muito desapareceu do seu território, e que já foram brutalmente atingidas pelos incêndios do ano passado. Mas, como decência é coisa que manifestamente não tem, veio o governo recuperar o art.o 15.o do D. L. 124/2006, de 28 de Junho, alterado pela lei 76/2017, de 17 de Agosto, obrigando os proprietários à limpeza dos seus terrenos, com sucessivas ameaças, designadamente através do envio de emails a partir da base de dados da Autoridade Tributária e da aplicação de coimas pela GNR.
Não interessa nada ao governo que não haja empresas suficientes para proceder à desmatação, fazendo com que o valor desse serviço tenha atingido preços altamente especulativos que quase ninguém consegue pagar. Não interessa nada ao governo que a esmagadora maioria dos proprietários, por força da sua idade, não estejam em condições de proceder por si próprios a essa limpeza de terrenos. Não interessa nada ao governo que tenham sido cortadas árvores de fruto, de jardim e espécies protegidas, que nunca deviam ter sido abatidas. Não interessa nada ao governo que um proprietário de 82 anos tenha morrido em Penacova, vitimado pela árvore que tentou cortar. O que interessa ao governo é arranjar uma série de bodes expiatórios do seu novo fracasso, que já se antevê, atirando para pessoas idosas, pobres e abandonadas as responsabilidades que só a ele competem.
A campanha que este governo lançou contra os proprietários rústicos só tem paralelo no Grande Salto em Frente de Mao Tsé–Tung, que também impôs uma série de obrigações aos camponeses, com guardas a vigiar o cumprimento das metas estabelecidas, para depois os acusar de boicote ao seu programa quando este se revelou um desastre, como se esperava. Agora, António Costa já começou a atacar os jornalistas, acusando-os de não olharem para as suas medidas de prevenção dos incêndios, mas apenas para as tragédias. E na próxima semana iremos assistir a mais um exercício de propaganda, com o governo e os deputados a fingir que vão limpar matas, saindo por uma única vez dos seus gabinetes alcatifados em Lisboa. Fariam melhor os deputados em não alinhar em operações de propaganda e em procurar defender os direitos dos proprietários do interior, que são o elo mais fraco de toda esta história. É isso que os cidadãos esperam dos deputados que elegeram.