O estranho caso do preconceito em relação ao estrangeiro


O investimento chinês é olhado de lado nas suas diversas expressões setoriais, como se o país não precisasse dessas apostas para continuar a crescer e a internacionalizar as suas marcas


Portugal foi pioneiro da globalização com a empreitada dos Descobrimentos, que geraram transformações substanciais no modo de vida dos povos ocidentais da Europa.

Os portugueses são um povo com capacidade de resiliência perante as adversidades, intuição para se adaptarem às circunstâncias especificas dos contextos e a mítica habilidade para o desenrascanço.

E, no entanto, com tantas provas de miscigenação, de incorporação de diferentes influências e de presença um pouco por todo o mundo, persiste um certo depósito de preconceito em relação ao estrangeiro e ao que provém de fora do território nacional.

O contrassenso é tal que desconsideramos amiúde as capacidades próprias e desconfiamos das capacidades dos outros, dos que não estão cá, mesmo que sejam portugueses. Foi essa a linha da reação aos designados retornados. É essa a atitude em relação a muitos dos membros das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo e dos investidores estrangeiros que apostam em Portugal.

E pensar que as exportações são decisivas para o nosso crescimento económico, que o investimento estrangeiro está presente em várias e importantes empresas do nosso país e que o turismo é atualmente uma das principais atividades catalisadoras do crescimento económico.

As exportações e importações aumentaram 9,6% e 12,4%, respetivamente, em termos nominais, com impactos negativos na balança comercial portuguesa, numa conjuntura em que, apesar das perturbações políticas, a Europa tem a maioria das economias a crescer. As previsões da Comissão Europeia para 2018 apontam para que Portugal venha a ter o quinto crescimento económico mais baixo da União.

Quase 44 anos de democracia, décadas de restabelecimento das relações com os países da lusofonia e 33 anos de integração europeia já deviam ser suficientes para consolidar uma atitude de maior equilíbrio na relação com o estrangeiro, em que não perpassasse a sensação de que, verdadeiramente, só estamos interessados no seu dinheiro. O da Europa e o dos outros.

Entre as privatizações inscritas no programa de ajustamento económico negociado com a troika e as aditivadas pelo impulso da governação do PSD/CDS, vários setores relevantes da economia nacional estão nas mãos de investidores estrangeiros, que também adquiriram boa parte da dívida pública nacional, a par da sustentação concretizada pelo Banco Central Europeu.

A Altice tem capital estrangeiro e é olhada de lado, mesmo que mantenha um quadro de compromisso com as novas tecnologias e com a inovação em vários pontos do país ou que tenha decidido preservar marcas da sua identidade corporativa como a Meo ou a Sapo.

O investimento chinês é olhado de lado nas suas diversas expressões setoriais, como se o país não precisasse dessas apostas para continuar a crescer e a internacionalizar as suas marcas.

A partir de desvios e de aproveitamentos indevidos de um instrumento de captação de investimento estrangeiro, damo-nos ao luxo de ampliar o preconceito em relação ao não nacional, dando expressão maior a dúvidas de credibilidade e de fiabilidade sobre os vistos gold suscitadas por instituições internacionais. Como se, no tempo em que quase nada mexia, não tivessem sido os vistos gold e o setor imobiliário a alavancar qualquer coisinha de crescimento económico. Como se outros países europeus não tivessem programas similares de captação de investimento estrangeiro ou programas de atração de residentes não nacionais para o seu território.

Este exercitar do preconceito assume uma proporção inaceitável quando falamos das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, em que, mesmo nos casos de grande prosperidade e de realização pessoal e profissional em contexto de plena integração, persiste a amargura de serem olhados de lado em território nacional e junto das estruturas do Estado. Em quase 43 anos de democracia, quantas vezes Portugal andou a bater a portas de países de duvidosa idoneidade democrática a mendigar investimentos quando, com outra atitude do Estado e dos seus serviços, teria todo um potencial de investimento por mobilizar nas comunidades portuguesas. É claro que, além do mercado da saudade e das remessas, importaria ir mais longe, mas é preciso também aqui superar este preconceito em relação a cidadãos de nacionalidade portuguesa, de coração ou de papel passado. Continuar a persistir no erro em relação às comunidades portuguesas ou a olhar de soslaio em relação ao investimento estrangeiro é continuar a desaproveitar oportunidades de dar um salto no desenvolvimento do país e nas mentalidades.

Estranha forma de vida de quem, apesar da consistência das fronteiras, já teve no seu território povos tão diversos e contactou com tanta diversidade territorial, política, económica, social e cultural. Nas mentalidades, nas atitudes e na organização é preciso dar o salto que nos fará grandes cá dentro e lá fora.

NOTAS FINAIS

DE CARRINHO Na Grande Lisboa, a PSP terá menos de um carro-patrulha por esquadra. A criminalidade nas escolas aumentou 10% em Lisboa. Porque será que não se tem em conta que, sem mínimos de capacidade operacional e forças de segurança motivadas, nem sempre há milagres? Depois queixam-se de populismos, quando se põem a jeito.

DE VIOLAÇÃO A reiterada violação do segredo de justiça num sistema judicial lento e obsoleto está a minar definitivamente o Estado de direito português. Querer reduzir a visão a uma alegada árvore é fingir que não existe toda uma floresta de eucaliptos há muito tempo.

DE DAVID A FAZER-SE DE GOLIAS Em democracia, é o povo que escolhe, mas o congresso nacional do CDS não deixou de parecer, nas ambições e nas encenações, as crianças a brincarem aos crescidos.

 

Escreve à quinta-feira