O juiz Carlos Alexandre está a ser ouvido na sessão de hoje do julgamento do caso Fizz, em que o antigo procurador do DCIAP Orlando Figueira é suspeito de ter recebido subornos de 760 mil euros do ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente para arquivar inquéritos que visavam este último.
O magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) foi arrolado como testemunha pela defesa e pela acusação, uma vez que é amigo do arguido Orlando Figueira. Carlos Alexandre já tinha sido ouvido durante a investigação, em agosto de 2016.
Na altura, o juiz foi chamado a depor como testemunha do antigo procurador e explicou vários detalhes da vida de Figueira. Fazendo sempre a ressalva de que o que sabia era de conversas que tinha tido com o amigo, ou seja, que não que tinha presenciado nada, o magistrado do TCIC foi particularmente crítico sobre a saída de Figueira do DCIAP para o setor privado – o MP considera que o contrato de trabalho na Primagest fazia parte das contrapartidas de Manuel Vicente.
“Fui-lhe dizendo que tirasse a ideia disso: ‘Não te metas nisso’, ‘isso não tem jeito nenhum’”, contou o juiz, lembrando que sempre aconselhou o amigo a desistir da intenção de mudar de vida.
Mas Orlando Figueira seguiu em frente, contou Carlos Alexandre na diligência: “Ele acabou por aceitar e terá comunicado isso à Sra. Diretora [do DCIAP], pelo menos disse-me que tinha comunicado à Sra. Diretora, e aceitou então, ao que sei, o convite que lhe foi formado por uma firma que trabalhava na órbita da Sonangol, e do Dr. Carlos Silva, com contactos no Banco Privado Atlântico, foi assim que ele me contou”.
A suspeita de que a Primagest está na órbita da Sonangol é um dos detalhes apontados pelo MP para ligar Manuel Vicente – ex-presidente desta petrolífera – ao dinheiro recebido por Orlando Figueira. Mas o ex-procurador tem defendido em julgamento que a empresa não está ligada à Sonangol, mas sim apenas ao banqueiro Carlos Silva, vice-presidente do Millennium BCP. Figueira diz, porém, que à época da assinatura do contrato viu no Google uma notícia que apontava para ligações à Sonangol, justificando assim que tivesse pensado que era uma empresa relacionada com a empresa estatal angolana. Assegura que foi Carlos Silva que o convidou e que nunca teve qualquer contacto direto ou indireto com o ex-governante angolano.
Orlando Figueira, o “ingénuo”
Descrevendo Orlando Figueira como alguém que muitos consideravam “ingénuo”, Carlos Alexandre chegou mesmo a dizer em inquérito que o homem que aparece descrito nos jornais não corresponde ao que é seu amigo há mais de 20 anos.
O juiz afirmou ainda que, mais recentemente, entre 2012 e 2015, o antigo procurador lhe tinha dito que tinha sido nomeado Proença de Carvalho para resolver o contrato que ele mantinha com a sociedade Primagest.
“Essas pessoas, segundo ele diz, nomearam um distinto advogado da nossa praça jurídica da capital, para acompanhar as negociações de deslindamento dessa ligação profissional, tanto quanto ele me disse na pessoa do Sotor Dr. Daniel Proença de Carvalho, do escritório Uría Menéndez”, referiu o juiz perante a juíza Maria Antónia Andrade, a procuradora do DCIAP Patrícia Barão e o advogado Paulo Sá e Cunha, à data a defender Orlando Figueira.
O antigo procurador cortou depois com o advogado e diz que este estava a ser pago por Proença de Carvalho. E acrescentou que o objetivo era não contar toda a verdade, nomeadamente não falar no nome de Carlos Silva nem do do próprio Proença de Carvalho.
Carlos Alexandre contou ainda em 2016 que Proença de Carvalho começou a interagir com Figueira para por fim ao contrato com a Primagest.
“Ele disse-me que o Dr. Daniel Proença de Carvalho teria interagido com ele no sentido de clarificar a relação de trabalho lá atrás, eu para mim parecia-me absolutamente normal porque o Dr. Daniel Proença de Carvalho acompanha muitos assuntos relacionados com Angola”, concluiu Carlos Alexandre.
A versão a dar conta da ligação de Proença com Orlando Figueira vai ao encontro de algumas das alegações do antigo advogado do Estado angolano e arguido neste caso, Paulo Blanco, na sua contestação, mas contrasta com a de Proença de Carvalho, que já afirmou não ser verdadeira nenhuma das acusações que lhe foram feitas por Paulo Blanco nem por Orlando Figueira.