Marinho e Pinto. Operação Marquês “nem daqui a 20 anos terá uma decisão final”

Marinho e Pinto. Operação Marquês “nem daqui a 20 anos terá uma decisão final”


O ex-bastonário continua a acreditar que Pinto Monteiro não protegeu Sócrates, mas critica os megaprocessos que se tornam morosos


Com um olhar de Bruxelas para Portugal, Marinho e Pinto, antigo bastonário da Ordem dos Advogados e atual eurodeputado pelo partido que fundou, o PDR, falou ao i da falta de debate político para acabar com a corrupção e da justiça portuguesa. Os procuradores-gerais da República Fernando Pinto Monteiro e Joana Marques Vidal também não ficaram de fora da análise do advogado, que acredita que muita da sociedade portuguesa vive à base de ódios. Sobre Elina Fraga, ex-colega na ordem, Marinho e Pinto só tem boas palavras, o mesmo não se podendo dizer da ex-ministra da Justiça Paula Teixeira da Cruz e das “clientelas” que afirma ter criado.

O relatório do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) foi publicado esta semana e diz que Portugal está num patamar “globalmente insatisfatório” no que toca à aplicação das recomendações feitas. Na sua opinião, o que ainda falta mudar na justiça portuguesa?

O grande problema da corrupção é pretender encontrar uma solução no quadro judicial. Só pode haver verdadeiramente uma solução para o problema da corrupção no plano político, por isso é que sempre defendi o debate político sério, honesto, em torno do problema da corrupção. Infelizmente, os partidos políticos dominantes – os dirigentes políticos – não estão interessados em fazer o debate e empurram para a justiça. E a justiça não tem capacidade para resolver este problema. Pode prender A, B ou C, pode instaurar mais ou menos processos, mas a justiça nunca resolve o problema da corrupção, nem nunca resolveu em nenhum país. O debate de que falo não é um combate político feito em torno de motivações exclusivamente partidárias, como o que está a acontecer agora. A corrupção é um problema gravíssimo no Estado de direito, mas é também da própria economia porque as regras do mercado são distorcidas através da corrupção. É por isso que o vice-presidente do Banco Mundial dizia, há cerca de dez anos em Portugal, que se não fosse a corrupção, Portugal poderia ter um índice, estar num plano de desenvolvimento ao nível do da Finlândia ou de outros países do norte da Europa. E não está. Estamos sempre atrasados, sempre na cauda.

E o que sugere como solução?

O que proponho é isto: centrar a punição do crime de corrupção no corrupto, seja ele político, funcionário público, funcionário de uma empresa pública ou magistrado. Quem vende, quem renuncia à sua ética de funcionário funcional em troca de vantagens patrimoniais deve ser punido exemplarmente. Porém, há casos de pessoas que são consideradas corruptoras mas acabam por ser vítimas de extorsão. Porque se não pagarem determinadas comissões ou quantias ao funcionário, não conseguem aprovar um projeto ou participar num concurso público. Quem se deixa corromper não merece contemplações.

E esse debate político, de que forma é que o governo pode fomentá-lo?

É preciso vontade política. Ninguém quer fazer esse debate. Todos empurram o problema da corrupção com a barriga para a justiça. Como é que a justiça pode investigar – com respeito pela legalidade processual – um ato de corrupção entre mim que sou ministro e você que é empresário? Você quer a aprovação deste projeto, mesmo contra o interesse público, eu aprovo-lhe desde que você deposite a quantia tal na conta tal, na offshore tal, no país tal. Quem vai descobrir isto? E quem é que, depois, tem dados para poder estabelecer o nexo de causalidade adequado entre a minha decisão e aquele dinheiro que foi depositado? Não há possibilidade, a justiça não tem possibilidade. Alguns procuradores andam a fazer figuras patéticas, aí a vasculhar toda a vida pessoal das pessoas à procura disto ou daquilo. Não há hipótese. E os políticos sabem isto. Mas deixam para a justiça porque preferem que se degrade o país, a justiça, o próprio prestígio funcional dos magistrados.

A procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal, tem sido apontada como uma procuradora que não se deixa intimidar. No entanto, já houve polémica à volta da renovação do mandato da procuradora-geral. Considera que este mandato pode ser renovado?

Considero que o mandato da atual PGR foi positivo, fez um bom mandato, ela é uma boa – uma excelente – magistrada. Mas acho que o mandato não deve ser renovado porque este tipo de mandatos de nomeação só se devem exercer uma vez. Porque havendo a hipótese de poder ser renovado, muitas das pessoas vão tentar exercer o primeiro mandato no sentido de obterem boas graças de quem os nomeou para a renomeação. Verdadeiramente independente é aquele cujo mandato não pode ser renovado. Apesar de considerar que fez um bom trabalho – e não quer dizer que não continuasse a ser bom -, acho que não devia ser nomeada. Devia ser nomeado outro só para um mandato. E deveria ser definitivamente alterado o estatuto do magistrado do Ministério Público (MP) no sentido de só prever um mandato para os cargos de PGR e de membro do Conselho Superior da Magistratura. Só um mandato e acabou. Houve pessoas que estiveram demasiado tempo à frente da PGR e isso não foi bom. 

E sobre as declarações da ministra Francisca Van Dunem, que puxou este assunto algum tempo antes da decisão ter sido posta em causa?

O jornalista perguntou e ela respondeu um pouco ingenuamente. Se fosse um político mais hábil, chutava para a frente, para canto. E ela respondeu com a naturalidade e a sinceridade de um magistrado, e não com a malícia ou a manha de um político profissional. Agora, não é a ministra da Justiça que nomeia ou deixa de nomear, ela deu a opinião pessoal. Quem nomeia é o Presidente da República, sobre a proposta apresentada pelo governo. O que acho é que há muita gente neste país interessada na renomeação de Joana Marques Vidal, não porque ela fez ou não um bom mandato, mas porque têm a expetativa que o mandato corresponda às expetativas políticas de quem assim o deseja. Da mesma forma que há outros que não querem a nomeação dela porque entendem que o seu futuro mandato também iria contra as suas expetativas políticas. Há muita política em torno deste cargo e até por isso dever-se-ia escolher uma pessoa diferente.

E sobre o anterior PGR, continua a achar que Pinto Monteiro foi um bom PGR e que não protegeu o ex-primeiro-ministro José Sócrates?

Não acredito que Pinto Monteiro tenha protegido qualquer suspeito, incluindo o ex-primeiro-ministro. E acho que ele, mais do que pela minha opinião, atesta o seu passado de magistrado ao longo de mais de 40 anos, a sua probidade e a sua equidade. Eu conheci-o, conheço-o e essa é a minha opinião sobre ele. Não acredito nessas injúrias que fazem publicamente, pessoas que o odeiam unicamente porque ele não fez aquilo que politicamente desejavam. Aliás, como não fez Joana Marques Vidal. A atual PGR não teve nenhuma interferência em nenhum dos processos de que agora muitos dizem que ela foi o principal arauto. Não teve nem pode ter, assim como não teve Pinto Monteiro. Há um problema grave na sociedade portuguesa que são as pessoas que não percebem nada de direito nem do funcionamento do sistema judicial arvorarem-se de repente em grandes especialistas da justiça e dos tribunais e emitirem opiniões sobre direito constitucional, direto processual penal, direito criminal, sobre tudo. Unicamente o que mostram é a sua ignorância e o ódio que os anima contra determinadas pessoas.

Como assim não teve relação?

Se tivesse, alguns magistrados ter-se iam queixado. Aquilo tem regras. Não foi Pinto Monteiro quem escolheu os magistrados nem quem decidiu sobre o seu trabalho. Os magistrados fizeram o seu trabalho e apresentaram as suas conclusões, e depois os tribunais decidiram, em vias de recurso, muitas das coisas. É assim que funciona. Umas vezes decidem num sentido, outras decidem noutro. Nem Joana Marques Vidal merece louros nenhuns dos processos judiciais que, aliás, nem se sabe se dão azo a êxito em condenações em tribunal. 

Mas teve conhecimento das críticas que Pinto Monteiro fez ao Ministério Público, a João Palma e a António Ventinhas?

Sim, mas foi na qualidade de dirigentes sindicais e pela sua postura como dirigentes sindicais. Não foi pela sua atuação como magistrados. O próprio sindicado dos magistrados do MP andou a pedir e a receber dinheiro do Banco Espírito Santo e do Ricardo Salgado para fazer congressos de luxo no Algarve. E parece que poucas pessoas falam nisso, parece que toda a gente já se esqueceu. E as críticas que Pinto Monteiro fez foram como as minhas. foi sobre a atuação. Esses, sim, é que por vezes interferiam em processos – pelo menos, pelo que diziam dava a ideia de que estavam a par de processos sem poderem estar. Os dirigentes sindicais têm uma agenda política e procuram levar essa agenda política para a atuação dos magistrados. Não consta que António Ventinhas fosse criticado pelo PGR pela forma como atuou neste ou naquele processo que lhe tenha sido distribuído ou de que tenha sido magistrado.

E como interpreta a afirmação de que foi o juiz de Aveiro que mandou destruir as escutas do Face Oculta e que Sócrates devia ter permitido a publicação das mesmas para desmistificar o caso?

Eu não interpreto nada. Se as escutas tinham interesse processual, deviam estar no processo; se não tinham, deviam ser destruídas. Eu não as ouvi, não sei. Se têm interesse processual, compete a um juiz decidir. Se não têm, devem ser destruídas porque não podem estar aspetos da vida privada das pessoas em processos se não têm interesse para o processo. Isso é um princípio elementar que decorre da lei. Está previsto e enunciado na lei quando, quais e como serão destruídas. Mas a quem compete fazer essa avaliação não é ao PGR nem ao procurador do processo, é a um juiz de direito. E eu não sei quem fez nem sei se fez bem ou mal. Eu não ouvi as escutas.

Não acha que a ligação de Pinto Monteiro a Proença de Carvalho influenciou a decisão do Face Oculta?

Não sei se Pinto Monteiro tem qualquer ligação ao advogado Proença de Carvalho. Não sei. Mas mesmo que tivesse, não ia influenciar seguramente porque Pinto Monteiro não é tramitado a esse processo. Era um magistrado, era outro magistrado. Quem decidiu o processo foi um juiz, nem sequer foi um procurador. Os procuradores fizeram o seu trabalho, as pessoas visadas reagiram e os juízes decidiram. Como acontece num processo penal num país democrático.

Acha que um atentado ao Estado de direito apenas acontece se um governo acabar com o Tribunal Constitucional, como defende Pinto Monteiro?

Não, isso é um exemplo. O atentado ao Estado de direito não é decidir uma compra de uma televisão ou de um jornal. Se fossemos adotar esse critério, 99% das decisões políticas neste país poderiam ser consideradas atentado ao Estado de direito por quem não concorda com elas. O atentado ao Estado de direito é uma coisa bem mais grave, bem mais profunda. Isso é ridículo. As decisões de um governo, algumas delas, por vezes, envolvem gastos enormes e alterações enormes… Haveria greves que são atentados ao Estado de direito, como as greves dos polícias, ou certas greves dos médicos também seriam atentados ao Estado de direito. Porque põem em causa direitos fundamentais da comunidade à saúde e à segurança. Isso é um conceito muito lato. Há muito ignorante neste país a falar sobre justiça sem perceber aquilo que diz, sem perceber o sentido jurídico das palavras que utiliza.

Acha que a Operação Marquês teria sido possível com Pinto Monteiro?

Acho que sim porque, como lhe disse, não acho que Pinto Monteiro tenha influenciado qualquer decisão dos processos. Lembro-me que quando foi o caso Freeport, o processo foi arquivado ao fim de quatro ou cinco anos de investigações. E foi arquivado por não haver matéria. Este, ao fim de quatro ou cinco anos, levou a uma acusação em que se misturaram vários processos opostos – quase que não têm nada a ver uns com os outros -, como a PT e o BES. Misturaram-se com possíveis atos ou alegados atos de corrupção do primeiro-ministro. Misturou-se tudo para fazer um megaprocesso que nem daqui por 20 anos terá uma decisão final. Não vai haver condenações transitadas em julgado ou decisões finais transitadas em julgado sem passar uma grande quantidade de anos. Se Sócrates fosse julgado sozinho, tivesse um processo sozinho e não fosse misturado com coisas que não tivessem nada a ver com ele, podíamos ter uma decisão dentro em breve. Se calhar, já podíamos estar a ter uma decisão. Misturando com aquelas dezenas de arguidos, com aqueles milhões de páginas de processo, vão ver o tempo que vai demorar. E isto é contraproducente para a justiça. Isto é uma forma de não fazer justiça. Estão a fazer de Pinto Monteiro um homem que estava ali a impedir os magistrados, mas não. Ele não o pôde fazer nem o fez. Se o fizesse, seria uma coisa gravíssima, um escândalo, uma bomba atómica. Até porque os magistrados não estão sujeitos a ordens do PGR. Embora inseridos numa hierarquia, é uma hierarquia funcional que tem o seu superior hierárquico. Por amor de Deus, isso são ódios viscerais. A sociedade portuguesa transformou-se numa sociedade de ódios, ajustes de contas e rancores permanentes entre pessoas. 

Mas porque é que existe essa opção pelos megaprocessos?

Pergunte a quem fez essa opção. O MP devia ser mais moderado, devia ser mais sóbrio, menos exibicionista, menos espalhafatoso nos megaprocessos. Julguem um indivíduo de cada vez que fazem a justiça mais rápida. Assim, juntando tudo, vai demorar anos e anos que haja uma decisão final. Se calhar, já não vai ser no meu tempo. Afinal, já se vê: só para chegar à acusação foram precisos cinco anos ou mais. Agora com o julgamento, depois com o recurso, depois com toda a tramitação dos recursos no Tribunal da Relação ou no Supremo Tribunal da Justiça, nem daqui por dez anos teremos uma sentença transitada em julgado. E isso é confortável para os procuradores. Isso acontece quando os procuradores não estão muito seguros e convictos das suas próprias acusações.

O novo líder do PSD, Rui Rio, defendeu durante a campanha uma reforma na justiça. Considera que esta reforma pode ser o tal debate de que estava a falar?

Eu não sei quais são os contornos ou os pontos essenciais dessa reforma. Sei que Rui Rio tem preocupações sérias sobre essa matéria desde há muito tempo. Mas continuo a dizer-lhe: nenhuma reforma da justiça em nenhum país resolve o problema da corrupção se os decisores políticos administrativos ou judiciais não respeitarem a ética profissional e continuarem a orientar as suas vidas mais pelo dinheiro fácil que se ganha do que pela defesa da ética funcional e profissional. O exemplo da Assembleia da Republica (AR): se os partidos políticos não funcionarem às escondidas, não aumentarem para si os privilégios que têm, talvez as pessoas deixem de se sentir no direito de ter esses privilégios também. Parece que vale tudo. Veja este escândalo monstruoso – apetece-me dizer esta vigarice monumental – que se passa no parlamento português, onde se fazem votações e dão como votantes pessoas que estão ausentes. Ou quando os partidos atribuem a si benefícios, privilégios que mais ninguém tem – ou poucos têm -, como isenção de impostos e devolução do IVA, quando quem trabalha, quem produz, quem paga impostos é esmagado cada vez mais com impostos. É absurdo, isto. Os partidos políticos que se propõem governar têm de dar o exemplo de sobriedade, de moderação. 

Uma das pessoas que foram escolhidas por Rui Rio para a vice-presidência do PSD, que estará mais ligada à questão da justiça pelo seu percurso profissional, foi Elina Fraga. No entanto, foi uma escolha algo polémica. Considera Elina Fraga a melhor opção para a reforma política prometida por Rio?

Concordo muito pouco com Elina Fraga em questões políticas. Ela é do PSD, eu nunca fui do PSD. Elina Fraga sempre foi muito conservadora politicamente e eu sempre procurei ser progressista e até, em alguns aspetos, radical – radical no sentido de ir à raiz dos problemas políticos para os resolver em definitivo e não andar a empastelá-los ainda mais com falsas soluções. Trabalhámos os dois na Ordem dos Advogados porque ambos tínhamos um objetivo comum: servir a justiça, dignificar a advocacia. E nesse aspeto convergimos completamente. Politicamente, se a escolha dela é boa ou má, Rui Rio e a tribo dos sociais-democratas é que farão essa avaliação. Isso são questões internas do PSD, e o PSD que resolva isso. Por mim, digo: tenho muito respeito por Elina Fraga porque é uma pessoa muito séria, muito honesta, muito trabalhadora, muito corajosa, muito determinada. Sei é que há muita gente do PSD – talvez aquelas clientelas que Paula Teixeira da Cruz criou em torno da justiça – que deve estar um bocado em pânico porque não contarão com Elina Fraga para se manterem. Portanto, quando a apuparam, foram duas ou três pessoas que viram que alguns dos privilégios que foram distribuídos pelo governo de Passos Coelho e Paula Teixeira da Cruz possam estar ameaçados, admito que sim. E, sobretudo, com Elina Fraga não haverá aquelas gigantescas manipulações da opinião pública em que a sra. Paula Teixeira da Cruz era exímia. Como aquelas notícias sobre as fraudes no apoio judiciário em que mais de um terço dos advogados cometiam fraudes e que acabou numa ou duas acusações em 10 mil advogados. Foi um propaganda intensa na comunicação social contra o apoio judiciário porque ela queria acabar com o apoio judiciário, queria tirar aos pobres o direito de aceder à justiça e de ter um advogado. Tal como tiraram o subsídio complementar para os idosos, também queriam tirar esse dinheiro gasto no apoio judiciário para distribuir por alguns grandes escritórios de Lisboa, como o da senhora ministra da Justiça. E queria também favorecer os tribunais arbitrais – é óbvio que há grande negociata dos tribunais arbitrais que Elina Fraga também combateu. Essa clientela, a vasta rede clientelar que a Paula Teixeira da Cruz instaurou no Ministério da Justiça e à volta da justiça em Portugal, pode estar um bocado ameaçada, mas isso são questões lá do PSD.

Estava a dizer-me que destaca as qualidades honestidade e seriedade em Elina Fraga. No entanto, depois da saída da Ordem dos Advogados foi feita uma auditoria que encontrou irregularidades financeiras na gestão da ex-bastonária. Considera que este facto pode prejudicar a imagem de Elina Fraga?

Essa auditoria foi feita por uma empresa privada a pedido dos adversários de Elina Fraga. E também fizeram ao meu mandato, ainda estou à espera para ver. As irregularidades – se existirem – são muito menos graves dos que as irregularidades que existem em alguns conselhos distritais, incluindo aquele de que o atual bastonário foi presidente. Há certas pessoas no país, na política, na advocacia e na justiça que, quando têm a oportunidade de serem grandes, escolhem ser pequeninos, escolhem ser mesquinhos. São puros atos de vingança mesquinha que, para mim, valem o que valem. Valem mais sobre quem manda fazer do que sobre quem é visado.

Elina Fraga sempre foi contra a reforma da justiça implementada por Paula Teixeira da Cruz, que incluiu o fecho de tribunais. Considera que esta medida do anterior governo pode ser revertida?

Considero que deveria ser rapidamente revertida. Os tribunais não são só um serviço público que o Estado presta, em exclusivo, às populações. Os tribunais são um símbolo da soberania nacional e um símbolo da presença do Estado. Encerrar tribunais é desprezar a justiça, é obrigar populações pobres do interior do país a percorrer, por vezes, centenas de quilómetros para ir a um tribunal pedir justiça ou prestar contas à justiça. Encerrar um tribunal é convidar as pessoas a fazer justiça pelas próprias mãos, é fazer com que as pessoas sintam que podem fazer o que quiserem. Isso foi um crime de lesa-pátria que foi cometido por Paula Teixeira da Cruz em nome, não do FMI, mas de uma lógica de ajuste de contas com o 25 de Abril. Foi unicamente por motivos ideológicos. E só não foi mais longe porque eu escrevi três vezes ao diretor do FMI, ao diretor do Banco Central Europeu e ao presidente da Comissão Europeia denunciando a tentativa do governo Passos Coelho/Paula Teixeira da Cruz de eliminar o apoio judiciário. Porque senão teria acabado com o apoio judiciário e teria remetido os pobres para a lógica da justiça com as próprias mãos. Queria transformar a justiça numa justiça de ricos. Contra isso opôs-se a Ordem dos Advogados, comigo à frente, e contou com a coragem de Elina Fraga e de muitos outros dirigentes da ordem.

Mas já estamos a mais de dois anos de um novo governo e nem a ministra Francisca Van Dunem nem o governo apoiado pelo Bloco de Esquerda, PCP e PEV fizeram essa renovação. Espera que isso aconteça até ao final desta legislatura?

Não espero que este governo faça isso porque o PS e os partidos que o apoiam gostam mais é de pôr notícias nos jornais a dizer que fazem coisas do que propriamente de fazê-las. Fazer custa muito, é preciso coragem. Eles gostam todos é de ter dinheiro público para gastar, disso é que eles gostam. Tomar medidas em benefício concreto do povo, não. Deviam repor o mapa judiciário que estava antes dessa ação “politicamente criminosa” de Paula Teixeira da Cruz que foi fechar tribunais em dezenas e dezenas de comarcas do país, sobretudo as comarcas que mais precisavam da existência desse símbolo de soberania, de justiça, de unidade nacional. Mas para eles o que conta é dinheiro, as pessoas são meros números para eles.

Sobre o populismo que está a abarcar os países da Europa – as eleições italianas foram um exemplo disso. Quais são as consequências do resultado das legislativas em Itália para a União Europeia (UE)?

Não sei ainda, mas não serão boas. Deixe-me corrigi-la: para os partidos do centrão, que vivem à custa dos milhões dos impostos dos contribuintes há décadas na Europa, tudo o que ponha em causa o seu domínio e o seu poder é populismo. Defender os interesses do povo é populismo. Porque eles não defendem os interesses dos povos. ~

É por isso que eles temem os referendos, temem as eleições. Sempre que há uma eleição num país europeu, Bruxelas fica em pânico. Porque estão a perder a ligação ao povo europeu – e têm consciência disso, o povo serve para legitimar de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos quem conquistou o poder – e criou-se à sua volta uma rede de clientelas e de apoios, como na comunicação social que é dominada por eles, que os reconduzem quase automaticamente. Cada vez com menos votos, mas isso não lhes interessa porque o que interessa é manter o poder e os privilégios que o poder lhes traz. Eu tenho defendido, quer em Portugal quer no Parlamento Europeu, que uma das causas do populismo – sobretudo de extrema-direita – são os privilégios escandalosos que as elites políticas europeias têm, comparados com os sacrifícios que aqueles que pagam esses privilégios suportam. Isto é causado pelos políticos profissionais. O político profissional viveu sempre nesta redoma, não teve nunca de pagar impostos, teve sempre o seu ordenado garantido – e bons ordenados. Aqueles que trabalham, que pagam impostos, sabem o que custa pagar impostos; o político profissional, não. Lança impostos com a facilidade e com o descaramento de quem não tem responsabilidade nenhuma nem sabe o que isso é. É preciso gastar dinheiro, gasta-se, porque se vai ao bolso dos contribuintes. Isso tem de parar. Tem de haver respeito. Há uma classe política que é absolutamente insensível ao sacrifício dos contribuintes, dos trabalhadores, de quem trabalha. O que lhes interessa é manter a todo o custo os seus privilégios, os seus carros, os seus motoristas, os seus telemóveis, os seus cartões de crédito e os bons ordenados. Sobretudo não trabalhar muito, porque trabalho é sempre penoso. E isto deu origem ao populismo. Em Itália, o partido de esquerda que defende um aprofundamento da democracia direta é populista. Porquê? Porque põe em causa os representantes políticos profissionais dos eleitores italianos. Nem sequer é uma reação inteligente, é emocional e estúpida. E, portanto, os europeus é que vão sofrer, começando pelos elos mais frágeis dessa cadeia, como é o caso de Portugal.

De que forma?

Vão sofrer porque vai haver menos dinheiro para investimento público, vai-se adaptar a economia e os orçamentos dos Estados à realidade da economia de cada país. Nós não podemos criar Orçamentos de Estado e viver com as contas públicas com base em dinheiro emprestado permanentemente. E também não podemos asfixiar com impostos as pessoas. O Estado tem de gastar menos e gastar menos significa começar nos privilégios políticos, para dar o exemplo. Não é que esse dinheiro viesse equilibrar tudo, mas era já um sinal claro – um sinal ético e claro – de sobriedade de integração. Mas não. Os partidos cada vez querem mais, cada vez pedem mais, cada vez gastam mais, e os portugueses cada vez pagam mais. Em Espanha também se pôs a hipótese de ir a troika resolver as coisas, mas o governo espanhol de direita opôs-se e aceitou um PEC qualquer da União Europeia. Isso fez toda a diferença. Enquanto as pensões eram cortadas em Portugal, em Espanha eram aumentadas. Porque é que em Portugal veio o FMI juntamente com as duas instituições europeias que tinham um plano de apoio a Portugal? Porque o PCP e o Bloco de Esquerda se aliaram ao CDS e ao PSD para derrubar um governo de centro-esquerda e para obrigar o FMI a vir. Porque eles sabem que quanto mais porrada levar o povo, mais votos os partidos de esquerda vão ter nas eleições. E assim foi. Quem trouxe a troika para Portugal foi uma aliança contranatura do PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda. Os quatro uniram-se contra o partido de centro-esquerda – como era o PS – para derrubar esse governo e obrigar a que viesse a troika. Foram eles e ninguém lhes pede responsabilidades por isso. E hoje todos falam desse período como se não fosse nada com eles. O PSD arvorou-se em salvador porque recusou o apoio da União Europeia, parece que o CDS não existiu nos últimos dez anos, o PCP e o BE ignoram completamente esse período e essa votação com o PSD e o CDS contra o governo do PS. Era preciso haver coragem política também para pedir responsabilidades ao BE e ao PCP por terem apoiado o PSD e o CDS para derrubarem um governo de centro-esquerda e criarem um executivo que só trouxe austeridade muito acima do que era necessário para fazer uma gestão equilibrada e a consolidação orçamental.

E em relação às eleições europeias de 2019, considera que esse pânico também existe? 

Não. Essas eleições não põem em causa nada de essencial. Porque recusaram o modelo de listas transnacionais. As eleições para o Parlamento Europeu vão continuar a ser eleições em que se discutem mais os problemas do país e se fazem as teatralizações e encenações políticas do que os problemas e questões europeias. Ninguém discute questões europeias nas eleições para o Parlamento Europeu. O povo, hoje, vota nos partidos como votaria no Benfica, no Sporting ou no Porto. É por uma questão de clubite, não por uma questão de ter consciência das posições políticas e dos contributos que cada um possa dar para a causa pública.

Mas não há receio de que os partidos mais populistas possam ganhar mais força na União Europeia?

Não, porque as pessoas viram as costas, tradicionalmente, às eleições europeias. Em Portugal, dois terços não votaram nas últimas eleições. Na Checoslováquia, 89% dos eleitores não votaram nas eleições europeias. Isto não os preocupa porque os partidos elegem o mesmo deputado quer votem dois milhões quer votem 200 mil eleitores. Incomodam-se é com aquelas eleições em que, de facto, perdem deputados a favor daqueles que contestam a sua forma de atuação e os seus programas políticos, como aconteceu agora em Itália.