O CDS depois de Lamego


O pragmatismo avesso a ideologias rígidas de Cristas pretende recolocar o partido ao “centro” e assumir-se como fiel da balança entre PSD e PS


O CDS de Assunção Cristas passou a ser, inesperada mas insistentemente, uma bengala perfeita, por ora, no ataque à figura de Rui Rio e ao ciclo pós–Passos. Basta estar atento a algumas intervenções públicas e a outras omissões cúmplices para se compreender o intuito: quanto mais crescer o CDS – naquela banda dos 40% de eleitores votantes –, mais se afundará o PSD de Rio e mais inevitável se torna o PS (desde que sem maioria ou, maioritário, para certas matérias qualificadas) coligar-se com o CDS para atingir o conforto parlamentar. Ao CDS de Cristas, apostado em aproveitar os indícios de maleabilidade do eleitorado do “centro-direita” que se mostre renitente em acompanhar o reposicionamento ideológico de Rio, aproveita o combate do partido do lado, e nutre-se a expetativa de crescimento. O objetivo é ter maioria de lugares na AR – em primeira linha, com o PSD (mesmo que este não ganhe as eleições, empurrando-o para a solução de Costa com os partidos da esquerda); depois, em segunda linha, com o PS vencedor. Em suma: aumentar a influência para decidir o jogo. Dito de uma forma mais direta: chegar aos 15% (o dobro das sondagens) e aos 30-35 deputados é a meta, depois fazem-se as opções de legislatura. É difícil, mas é o que vai ser colocado na cabeça dos militantes e simpatizantes que estarão no congresso de Lamego.

Diga-se que este projeto é compreensível, tendo em conta que o partido de Freitas do Amaral, Amaro da Costa e Victor de Sá Machado resistiu vezes sem conta à absorção e, de um momento para o outro, encontra-se confrontado com um salto potencial que desafia a sua própria história. E revisita a sua história. O CDS foi criado para se colocar rigorosamente ao “centro” dos partidos naturais da governação, evitando a ascensão do comunismo pós–Abril (com o MFA) enquanto força mais próxima do PS e contrabalançando a osmose que o PSD poderia obter no conservadorismo social e no liberalismo económico tradicional. A referência ao ideário democrata cristão europeu como base era a veste que protegia a transversalidade que se propugnava alimentar na relação com os seus potenciais aliados. Os problemas de afirmação e de sobrevivência do CDS surgiram quando foram manifestas e reiteradas as variações de identidade ideológica, o excesso intelectual das lideranças, a falta de uma rede autárquica capaz, a ausência continuada de uma máquina partidária oleada e comprometida e, externamente, o rolo compressor de Cavaco Silva e de António Guterres. Por fim, aquela relação de amor-ódio com o PSD nunca ajudou o mais frágil. Se olharmos para todos esses fatores com distanciamento, compreendemos que Cristas, se é pragmática e volta ao “centro”, terá hipóteses de estar do lado certo da razão em mais um momento decisivo do partido.

De facto, o tempo não é de ideários, antes de programas com significado na vida das pessoas e das empresas, suscetíveis de entrar nas escolhas eleitorais das classes sociais e profissionais que se revejam na possibilidade de, através do CDS, mudarem a agulha no trajeto do PS ou do PSD. Se assim for, o “centro” também poderá ser do CDS e os desejos de “acordos de regime” podem virar-se contra o ciclo de Rio. Cristas não tem o carisma e o enlevo dos anteriores líderes do partido, nem concorre com a fidelidade que outros líderes atuais cativam. Mas consegue estabelecer as afinidades com o eleitor-tipo que, neste estado de diálogo democrático que se impôs, decide a sorte de muitos políticos, e consegue agregar as lealdades. Aquelas afinidades que levam à confiança e a acreditar no próximo. Depois de Lisboa, veremos se assim será depois de Lamego.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto, Escreve à quinta-feira