Os (des)humanitários


Notícias recentes voltam a relatar abusos de toda a espécie por parte de gente ligada a organizações humanitárias de vária natureza. Esse tipo de violência e a utilização abusiva de meios nesses casos são imperdoáveis e têm de ser denunciados por todos os meios


Todos sabemos que o ser humano é capaz do melhor e do pior. Sobretudo do pior, quando não lhe são inculcados valores éticos e morais de respeito pelo próximo, independentemente do ambiente em que se desenvolva. Há princípios humanistas em todos os pontos, todos os credos e filosofias do mundo. Mas o ser humano à solta depois de educado no ódio ou de nele viver sistematicamente é a maior besta que há. Assistimos quotidianamente aos horrores de guerras e de todo o tipo de violência em muitas partes do planeta, como na Síria e em Myanmar, para citar dois casos que estão em curso sem que ninguém consiga parar as chacinas, feitas com o apoio de poderes sinistros. Um deles vem de San Suu Kyi, outrora merecedora de um Nobel da Paz. De Putin ou de Trump, ninguém, obviamente, espera nada. Mas a tal senhora com o seu ar frágil e cândido certamente não havia quem a achasse capaz de cumplicidade com o genocídio do povo rohingya. Exatamente por isso, o exemplo da senhora Suu Kyi repugna ainda mais. Acontece o mesmo tipo de repulsa com as notícias que tristemente se multiplicam a respeito de abusos de natureza sexual cometidos por membros de certas organizações internacionais, quer se chamem Oxfam, Cruz Vermelha, capacetes azuis da ONU ou outra coisa qualquer. Basta pesquisar um pouco na net e saltam logo dezenas de casos de denúncias ou condenações. Há uns anos (e ainda hoje, embora já com menos frequência) houve o mesmo tipo de situações com membros de igrejas, nomeadamente a católica, acusados de pedofilia, um dos crimes mais horrorosos que existem.

Ora, este tipo de violência configura o pior que a natureza humana tem. Não pode haver perdão para quem, a coberto de pertencer a uma organização humanitária ou uma instituição religiosa, pratica abusos sexuais, violência física, maus-tratos de qualquer natureza sobre pessoas indefesas, sejam elas crianças, velhos, deficientes ou outras que sofram de qualquer tipo de situação que as fragiliza e coloca em situação de dependência.

Quem exerce violência física ou pratica crimes de abuso de bens materiais em organizações humanitárias não merece contemplações em nenhuma circunstância.

Sabe-se há muitos anos que existem algumas ONG, fundações e certas organizações nacionais e internacionais dentro das quais se praticam verdadeiras atrocidades. É obvio que se trata de uma minoria. Mas não é menos certo que, no mundo cão de hoje, há gente malformada e abusadora que se mexe nesses meios, constituindo um núcleo de poder feito de profissionais que circulam pelo mundo, saltando às vezes de país para país e mudando às vezes de instituição, como se viu agora no caso Oxfam.

É preciso dizer ainda que grande parte das organizações humanitárias e de ajuda que cobrem o mundo vivem de donativos de particulares, mas ainda mais da captação de dinheiro distribuído por governos e organizações supranacionais. Ou seja, vivem dos impostos coletados em todo o mundo, especialmente nos países mais ricos.

Situações destas têm de ser denunciadas e punidas exemplarmente. Há que fiscalizar mais e com mais rigor para que não se repita o pior dos horrores, que é o abuso de alguém fragilizado que já passou por todo o tipo de violência e foi objeto de crimes abomináveis na sua pessoa ou nas dos seus próximos.

Não pode haver tolerância para os criminosos que atuam dentro de organizações humanitárias, sejam elas IPSS ou instrumentos da ONU e da União Europeia. É preciso mão firme. É preciso fiscalização. É preciso denunciar sistematicamente essas práticas. Lamentavelmente, o mundo depressa se esquece de escândalos desses, enquanto se deleita num voyeurismo mórbido perante assédios de realizadores, atores e produtores de Hollywood. Claro que são situações graves e inaceitáveis, embora algumas mais pareçam acertos de contas. Mas não há termo de comparação. Os casos do espetáculo deviam servir sobretudo para se pensar, se é assim ali, onde há e sempre houve meios de denúncia poderosos, como será nos confins do mundo, em terras inundadas de violência e de ódio.

Faz falta um consórcio de jornalistas internacional para promover essas denúncias, pois só a publicidade dos casos pode mudar alguma coisa. É assim ali como o tem sido com os negócios de enormes roubalheiras feitas à conta de offshores tenebrosas, denunciadas pela WikiLeaks e pelos Panama Papers. Se não fossem essas notícias, estaríamos ainda pior em termos de conhecimento de certas redes. E convenhamos que, mesmo assim, não estamos nada bem…

Jornalista