As nuvens negras não saem do Estádio da Luz. Depois de ver o seu nome associado a várias investigações, o Benfica foi ontem surpreendido com uma nova visita das autoridades. Desta vez, o objetivo era descobrir as “toupeiras” que esburacavam os meandros da justiça para ajudar o clube a ter as informações de que precisava, nomeadamente no que diz respeito ao caso dos emails.
Às 7h de ontem tiveram início as novas diligências, com cerca de 50 elementos da Polícia Judiciária (PJ), um juiz de instrução criminal e dois magistrados do Ministério Público (MP). O objetivo era apanhar todos os suspeitos de surpresa para que ninguém conseguisse alertar os outros intervenientes. De acordo com o comunicado da PJ, foram realizadas 30 buscas “nas áreas do Porto, Fafe, Guimarães, Santarém e Lisboa que levaram à apreensão de relevantes elementos probatórios”.
Duas pessoas foram detidas: o assessor jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves (ver pág. 4), e José Silva, técnico de informática do Instituto de Gestão Financeira e Equipamento da Justiça (IGFEJ), são suspeitos dos crimes de corrupção ativa e passiva, respetivamente, acesso ilegítimo, violação de segredo de justiça, falsidade informática e favorecimento pessoal. Também o funcionário judicial Júlio Loureiro e o empresário de futebol Óscar Cruz foram constituídos arguidos.
Na base desta investigação – que teve início há seis meses e já foi batizada pela PJ como Operação e-toupeira – estão as suspeitas da existência de uma rede montada por Paulo Gonçalves junto de funcionários judiciais para que estes, em troca de contrapartidas, recolhessem informações sobre processos que envolvem o clube da Luz e os seus rivais. Os contactos deste responsável benfiquista acediam a plataformas online que continham dados importantes sobre os procedimentos judiciais e passavam informação confidencial ao assessor jurídico dos encarnados. Um dos processos é o caso dos emails, que tem como base um alegado esquema de corrupção de árbitros.
E o trabalho das “toupeiras” era compensado. A revista “Sábado” avançou ontem que o Benfica ofereceu um cargo no Museu Cosme Damião ao sobrinho do técnico do IGFEJ José Silva. Horas mais tarde, o clube da Luz reagiu à notícia dizendo que esta informação é “falsa” e que a notícia “invoca o nome de alguém que não pertence, nem nunca pertenceu, aos quadros profissionais de qualquer estrutura do Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD”. Certo é que as autoridades suspeitam que as informações em causa eram dadas a troco de “eventuais contrapartidas ilícitas”, como explica o comunicado emitido ontem pela PJ. Algumas das ofertas seriam bilhetes para assistir a jogos e até merchandising do clube.
As buscas prolongaram-se ao longo do dia de ontem, com o intuito de recolher o máximo de provas possível, terminando apenas ao final da tarde. À hora de fecho desta edição, Paulo Gonçalves e José Silva continuavam detidos. Deverão ser ouvidos nas próximas horas por um juiz e ficar a conhecer as medidas de coação durante o dia de hoje.
Benfica que reunião com PGR
O clube da Luz emitiu um outro comunicado reiterando “a sua total disponibilidade para colaborar com as autoridades no integral apuramento da verdade” e a confiança no seu assessor jurídico.
“A Sport Lisboa e Benfica SAD manifesta a sua confiança e convicção de que o Dr. Paulo Gonçalves terá oportunidade, no âmbito do processo judicial, de provar a legalidade dos seus procedimentos”, lê-se no mesmo documento.
Os encarnados fizeram saber ainda que vão pedir “com caráter de urgência uma audiência à Senhora Procuradora-Geral da República, pelas reiteradas e constantes violações do segredo de justiça, sobre os processos que envolvem o clube, numa estratégia intencional e com procedimentos fáceis de serem investigados, como hoje [ontem] foi claramente comprovado”.
Luís Filipe Vieira ainda não se pronunciou sobre este caso.
A ligação a Júlio Loureiro
Não é a primeira vez que o nome deste funcionário judicial surge associado ao Benfica: a sua ligação a Paulo Gonçalves já tinha sido noticiada aquando da divulgação dos emails tornados públicos nos últimos meses.
Num email enviado para o assessor jurídico em novembro de 2016 – e divulgado pelo diretor de comunicação do FC Porto, Francisco J. Marques, em setembro do ano passado –, Júlio Loureiro escreveu o seguinte: “Para conhecimento antecipado, dado ser uma data que antecede a viagem à Turquia, remeto-lhe cópia de uma notificação para o Rui Vitória.
Agradeço-lhe discrição quanto ao assunto uma vez que nem sequer é da minha secção, ok?”
Esta notificação dizia respeito, alegadamente, a um processo onde o arguido era o Vitória de Guimarães: “Trata-se de uma notificação que não é nada de especial, porque o Rui Vitória iria testemunhar num processo em que o arguido era o Guimarães, ex-clube de Rui Vitória, mas há um funcionário de tribunal a enviar este tipo de informação. Se avisam de uma simples notificação, quando forem coisas mais graves, o que não farão? Será que há pessoas no meio desta cadeia, funcionários judiciais, etc., que estão a passar informações ao Paulo Gonçalves, que é um dos investigados?”, disse na altura Francisco J. Marques.
Além disso, nos emails divulgados na altura surgiu um enviado por Paulo Gonçalves para uma funcionária do clube no qual eram pedidos bilhetes para Júlio Loureiro. Recorde-se que este funcionário judicial foi árbitro e observador de árbitros da Primeira Liga até à época 2015/2016.