Devagar se vai ao longe, mas na escola parecem andar a dizer exatamente o contrário, pelo menos no que à comida diz respeito. A verdade é que na hora da refeição não pode haver pressas e deve-se, pelo contrário, ensinar as crianças a mastigarem muitas vezes e muito bem. Leve o tempo que levar.
“Quem acabar primeiro, ganha!” “Vá, despachem-se!”. “Não comecem a pastelar. Toca a acabar!” “O último é um repolho de nabo!”. Foi com estas citações, correspondentes ao que, segundo ele, as senhoras encarregues do almoço dizem todos os dias, que o Pedro, de cinco anos, justificou aos pais não mastigar bem os alimentos. “Elas dizem para eu me despachar!”, afirmou, já com as lágrimas nos olhos.
A questão era simples: os pais insistiam com o Pedro, desde que começara a mastigar, para o fazer demoradamente, vezes sem conta, a fim de engolir a garfada só quando estivesse tudo bem mole e pastoso. Desde pequenino que lhe diziam: “Mastiga devagar, mastiga bem, mastiga muitas vezes.” O pai ainda acrescentava: “Se fosse para aspirares a comida tinhas uma tromba em vez de dentes…”.
Os pais do Pedro tinham receio da obesidade infantil, da qual muita gente se queixa, mas não dando, frequentemente, qualquer passo no sentido de uma educação alimentar. “Não acredito que seja o McDonalds a criar o número de gordos que vemos nas praias!”, exclamava a mãe. A tia Carolina, que era nutricionista, tinha desde logo chamado a atenção para os cinco principais segredos de uma nutrição saudável: não estar demasiado tempo sem comer, servir-se pouco, mastigar pelo menos 25 vezes cada garfada, beber muita água e evitar fritos, doces e pastéis, e reduzir os hidratos de carbono em geral. Salvo nos dias de festa, claro.
Convencidos de que criar bons hábitos nas crianças seria melhor do que alterar os hábitos quando estas fossem adultas, preocupavam-se em ensinar o Pedro, desde pequenino. Mas quando o filho argumentou com as frases das educadoras, os pais entreolharam-se e sentiram-se defraudados. Ainda pensaram que estavam a ser incoerentes, passando uma mensagem que a escola desmentia no dia seguinte.
“Temos de falar com a diretora”, desabafou a mãe. “Também acho!”, retorquiu o pai. Ambos, com meiguice, disseram ao Pedro: “Aqui não tens pressas. Mastiga bem, que vais ver que a comida fica ainda mais saborosa”.
Fica aqui esta pequena história à atenção de muitas educadoras, diretoras, auxiliares e outros profissionais. Quem acabar primeiro, provavelmente ficará gordo. Assim é que seria correto dizer. Se não se deve “pastelar” (nem servir douradinhos à refeição ou pão com chouriço e leite com chocolate ao lanche todos os dias, como vários casos que me chegaram ao conhecimento…), talvez ensinar a mastigar corretamente seja bom, não apenas para prevenção da obesidade, mas porque os alimentos ficam melhor digeridos, os dentes mais saudáveis e até a fala melhor desenvolvida. Devagar se vai ao longe. Só mastigando bem se come bem. Será assim tão difícil passar esta mensagem às crianças?
A propósito de restaurantes… e se calhar de “animais”.
Pois têm os leitores razão, ou terão: o título é enganador, mas foi para vos cativar para a história que se segue… ou se calhar até se justifica… Um aparte: sou a favor da entrada de animais de companhia em espaços de restauração – posso já adiantar que votaria favoravelmente a lei, tal como ela está, pois a liberdade de todos está assegurada – mas, claro, embora me possa dar jeito ocasionalmente levar a Tenrinha connosco, não me imagino a propor-lhe um jantar romântico no dia 14 de fevereiro ou a desafiá-la para sair, quando está melhor, refastelada em casa na sua caminha. Estou convencido que assim procederá a esmagadora maioria dos donos de cães, não “convidando” os seus animais para “comer fora” e, mais, tendo em consideração o tipo de animal e o melhor interesse dos donos, dos outros clientes e… do próprio animal… e este precisará de um ambiente calmo e tranquilo, que em princípio será a casa, salvo… exceções.
Bom, mas o que vos queria contar tem a ver com a atitude “animal racional” que se passa com algumas pessoas, precisamente em espaços sociais, como, no caso concreto, num de restauração. Pessoas que, por exemplo, ao verem um pai em apuros, com três filhos pequenos a vomitarem, viraram a cara para o outro lado em vez de correrem em seu auxílio, num espaço de restauração de um centro comercial.
Esta história vivi-a eu próprio, há um par de anos, mas lembrei-me dela. Tinha ido ao cinema com os meus três filhos mais pequenos (na altura, um de quatro e os outros com praticamente três anos), e a meio um deles começou a vomitar. Saímos de imediato e procurámos um restaurante onde ele pudesse beber um bocadinho de água com açúcar e limpar-se. Quando estávamos a entrar, os outros começaram também a vomitar. Situação complicada… Vómitos incoercíveis, ficando as crianças aflitas, pálidas…
Estava sozinho com os três. Num espaço de restauração de um centro comercial, de onde tentei sair, por respeito pelos clientes e porque senti que, mais um bocadinho, seria “vassourado” de lá. Todavia, registei o seguinte:
• As empregadas do restaurante estavam extremamente incomodadas e faziam comentários, provavelmente porque uma, digo, duas, digo três crianças a vomitar naquele local eram um atentado à saúde pública. Fosse por isso ou por nojo, ou até por pensarem que crianças não são animais de estimação que se traga para centros comerciais, o que é certo é que não mexeram uma palha. Limitaram-se a olhar com ar reprovador. Uma delas pediu-me inclusivamente para sair;
• Uma empregada brasileira de um restaurante em frente acorreu imediatamente com guardanapos de papel e foi buscar água, ajudando-me;
• Das várias pessoas presentes, a maioria mulheres, apenas um homem, que tinha um bebé num carrinho, se prontificou a ajudar, oferecendo-me toalhetes e perguntando se precisava de alguma coisa;
• Os restantes comensais estavam enojados, fazendo comentários do estilo “esta gente, como é possível?”, e com real ganas de chamar os seguranças.
O meu “filme” continuou, descendo ao parque de estacionamento e levando-os para casa, deixando um rasto do seu mal-estar pelo percurso que fizemos e passando uma noite muito atribulada. “Qualquer coisa que comeram”, provavelmente, que os fez ficar tão mal que não deram, felizmente, pela falta de solidariedade que ainda existe relativamente a esses animais chamados crianças, designadamente em espaços de restauração. Vi com os meus olhos e ouvi com os meus ouvidos – não me venham pois dizer que são exageros. Mais do que a doença deles, passageira, o que me encanitou foi o desprezo da maioria das pessoas e a sensação de ir ser expulso a pontapé, se a lei o permitisse.
Adaptando a frase de Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros”, diria que “os animais ferozes somos nós…” e a nós ninguém impede de entrar em restaurantes.
Pediatra
Escreve à terça-feira