A Primagest, entidade que contratou o antigo procurador Orlando Figueira, está ou não ligada à Sonangol? A tese do Ministério Público é a de que a petrolífera estatal angolana, de que Manuel Vicente foi presidente, é acionista da sociedade-veículo que contratou Figueira, uma versão que os arguidos negam e dizem não fazer qualquer sentido. O antigo magistrado e Paulo Blanco asseguram que a sociedade está ligada ao banqueiro Carlos Silva.
As testemunhas que ontem foram ouvidas poderiam à primeira vista não ser das mais importantes no caso Fizz, mas o seu depoimento era fundamental para se perceber se a ligação que o MP fez entre a Primagest e a Sonangol estava correta ou se o que os arguidos defendem tem fundamento. Ricardo Oliveira foi presidente do conselho de administração da empresa de engenharia Coba, e Luís Carvalho diretor financeiro da mesma sociedade, tendo ambos aceitado vender 70% da empresa a um consórcio que dizem ser liderado pela Sonangol e que numa notícia publicada em 2010 era apresentado como “Primagest”.
O problema é que nem um nem outro se recordavam de alguns pormenores, não sabiam muitas coisas e responderam de forma vaga a outras.
Ricardo Oliveira começou por dizer que foi o general Leopoldino do Nascimento quem lhe disse que tinha um grupo angolano de prestígio liderado pela Sonangol para entrar na Coba, adiantando que não era intenção até aí vender a empresa.
“Tudo o que aconteceu na empresa até 2007 foi por decisão. Numa viagem a Lisboa de Lopo do Nascimento, este mostrou-me interesse e eu disse-lhe que se em Angola arranjasse um grupo de prestígio interessado em comprar uma participação qualificada, analisaríamos a questão”, afirmou.
A proposta do general angolano para a Coba Ainda a instâncias do Ministério Público, Ricardo Oliveira adiantou: “Depois disse-me que tinha arranjado um grupo liderado pela Sonangol… Não sei se Lopo do Nascimento ficou com uma parte [das ações], mas acredito que sim.”
A versão apresentada obrigou, por diversas vezes, o coletivo a interromper as respostas, mostrando-se surpreendido com o facto de a testemunha estar a dizer que não sabia ao certo a quem é que tinha vendido a sua parte: “Então mas o senhor doutor faz um contrato com empresas, mas não sabe de quem são?”
“É-me dito que são empresas- -veículo…”, rematou Ricardo Oliveira, reforçando não fazer a mínima ideia sobre a quem estaria ligado o consórcio.
Culpa dos jornalistas? Mas se, por um lado, a testemunha disse não saber em julgamento, por outro, aquando do negócio deu uma entrevista ao “Público” em que referia que parte da Coba ia ser vendida a um consórcio liderado pela Sonangol, sendo na notícia referido que tal consórcio dá pelo nome de Primagest.
“Metade das coisas que estão nas entrevistas são falas dos jornalistas”, justificou, dizendo que tudo o que lá estava era verdade e que apenas não se recordava de ter dito que o nome do consórcio era Primagest.
“Há ou não ligação entre a Primagest e a Sonangol?”, insistiu o juiz Alfredo Costa, presidente do coletivo, ainda na sessão da manhã. A resposta foi novamente vaga: “Há, a Primagest foi a empresa-veículo para fazer o contrato, só como veículo de compra com os acionistas lá por trás. Tal como a Berkeley e a Leadervalue.”
Estas três empresas são apontadas pela defesa de Orlando Figueira e Paulo Blanco, antigo advogado do Estado angolano, como sociedades do grupo Atlântico e, por isso, ligadas ao banqueiro Carlos Silva. Mas, sobre isso, Ricardo Oliveira não tem uma opinião fechada: “Não sei se o Atlântico é acionista. Não sei, se me disserem que é não fico chocado. Foi um banco que se mostrou disponível para financiar à Berkeley o dinheiro para comprar as ações e à Leadervalue para comprar o edifício.”
É que além da Primagest, estas duas empresas alegadamente com acionistas comuns também terão estado envolvidas no negócio – tendo tanto a Primagest como a Berkeley um representante comum: o advogado são–tomense N’Gunu Tiny, que já se disponibilizou para vir a Lisboa depor.
Sonangol não podia aparecer As procuradoras do Ministério Público Inês Bonina e Patrícia Barão insistiram ainda com a testemunha sobre como é que, não sabendo a quem pertencia o consórcio, poderiam garantir que o mesmo não era da Sonangol, lembrando que caso o fosse, a Coba não poderia concorrer a financiamentos do Banco Mundial, como fez.
Como lembraram as magistradas, estes financiamentos “resultam de concursos públicos lançados pelo governo local, neste caso angolano, e se no grupo tivessem 70% de participação da Sonangol, que é uma empresa pública”, isso violaria as regras. Bonina concluiu mesmo: “Como não sabe a quem pertence o grupo, não consegue negar que 70% sejam da Sonangol”.
Sobre isto, a testemunha pouco esclareceu, lembrando apenas serem poucos os financiamentos conseguidos do Banco Mundial.
A locomotiva fantasma A parte da tarde de ontem do julgamento Fizz foi dedicada a ouvir Luís Carvalho, que além de ter sido diretor financeiro é acionista da Coba, tendo em 2010 vendido parte da sua posição ao mesmo consórcio – hoje tem apenas 2,7%, participação que diz ter um valor aproximado de 300 mil ou 400 mil euros.
Com esta testemunha ficaram ainda mais respostas por dar. Disse que era fundamental ter a certeza de que o consórcio era de confiança, mas depois afirmou não saber ao certo a quem vendeu.
“A baixa drástica do mercado português levou-nos a pensar nuns parceiros. Houve um fundo que chegou a fazer due diligences para perceber se tinha interesse em comprar-nos”, começou por dizer, adiantando que depois disso chegou a proposta do general angolano Leopoldino do Nascimento.
O objetivo da Coba, conta, era encontrar uma locomotiva que puxasse a empresa numa altura difícil. Para isso, explica, era preciso que “o comprador desse essa garantia de locomotiva”. Ainda assim a venda concretizou-se, contou em tribunal, sem que se soubesse ao certo quem eram os reais detentores.
“Vendi a minha parte a uma empresa chamada Berkeley”, disse, acrescentando que mesmo não sabendo quem eram os detentores, para si o consórcio “tinha uma cara muito concreta, a de Lopo do Nascimento”.
Ainda hoje este consórcio detém os 70% da Coba.
Sonangol nega ligação à Primagest Tal como o semanário “Sol” noticiou no passado sábado, no processo consta uma declaração da Sonangol em que se nega qualquer ligação à Primagest. Tal documento foi citado no último requerimento entregue pela defesa de Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, acusado de ter subornado Orlando Figueira para que este arquivasse inquéritos que o visavam. O objetivo da defesa é que a parte do ex-governante angolano e ex-presidente da Sonangol seja julgada em Luanda.