Quando alguém invoca um direito e reclama um tratamento igual ao que outros têm está, ao mesmo tempo, a dizer que, enquanto sujeito de direitos, não só não pode injustamente gozar de tal direito como, pelo contrário, que outros dele podem desfrutar.
Nesta situação, quem assim procede olha para o lado ou para trás e, reconhecendo a viabilidade do direito de que outros gozam já, reivindica, também para si, a possibilidade de o tornar real.
Quando, porém, a consciência social alargada de alguns lhes valida um direito que não foi ainda institucionalmente reconhecido nem, genericamente, dado a gozar, então diremos que a reclamação da sua vigência visa mudar o que ainda não há, mas deve passar a haver, por ser de direito.
Quem assim age olha para o futuro e reivindica uma mudança social e institucional que reconheça um direito que será dos que o reclamam, mas também de todos.
É, portanto, uma situação diferente da primeira, pois naquela há a constatação de que o direito pode ser e é, realmente, usufruído já, mesmo que só por alguns.
Na primeira situação, quem invoca o direito de que, teoricamente, pode gozar, mas de que, na verdade, não desfruta está a confrontar quem o impede de o gozar com o princípio de que todos são iguais em direitos.
Neste caso, quem assim procede reconhece a possibilidade da vigência do direito – que é já realidade para outros – e quer estendê-la, desde logo, a si e aos outros como ele: reivindica igualdade, e não um novo direito.
Não está aqui em causa, pois, a necessidade de alterar o sistema de valores que criou um tal direito, apenas se coloca em crise a falta de vontade ou a incapacidade dos que deveriam prover à concretização efetiva de uma ordem social que se aceita ainda como é.
No segundo caso, o que se constata é uma situação de confronto com a ordem social estabelecida, pois esta ainda não reconhece um direito que está gravado como tal na consciência social alargada dos que a ele aspiram.
O direito a ter esse direito existe já, mas a institucionalização desse direito, ainda não.
Esta segunda situação pode levar diretamente a uma crise que, em determinadas condições, pode assumir mesmo uma feição revolucionária.
Isto, se os que se opõem ao reconhecimento de tal direito teimarem em não dar saída aos que, maioritários, reivindicam de imediato o seu reconhecimento e gozo efetivo.
O que se passa em muitas das sociedades democráticas em crise, ou recém-saídas desta, corresponde mais à situação primeiramente descrita: muitos cidadãos não põem ainda em causa a ordem social que institucionalizou certos direitos, apenas exigem que o seu gozo retorne ou possa passar a ser efetivado.
Se, todavia, a inadequação gritante entre os direitos reconhecidos e os efetivamente gozados se mantiver duradouramente, ficam criadas condições para que aquela reivindicação possa evoluir para uma crise idêntica à do segundo caso.
O descrédito sobre a realidade dos direitos que teoricamente são outorgados, mas que realmente não conseguem ser vividos por aqueles que deles deveriam gozar, pode passar a traduzir-se, então, por um movimento fundador ou de recriação dos direitos que, tendo sido perdidos, ou nunca gozados, se mantêm no imaginário social como justos.
Para que isto aconteça, nem é necessária a reivindicação de direitos novos, basta a constatação de que os que já foram reconhecidos não se destinavam, efetivamente, a ser gozados pela maioria: a constatação de que, afinal, nem todos somos iguais em direitos.
Daí o descrédito e a crise do regime democrático que conhecemos.
Escreve à terça-feira